Com graves prejuízos causados pela tragédia climática que devastou o Rio Grande do Sul em maio, o setor produtivo gaúcho, quatro meses depois, ainda busca seu total restabelecimento. Para acelerar essa recuperação, as empresas do Estado atingidas pela enchente já contrataram pelo menos cerca de R$ 10,65 bilhões em crédito nos principais programas emergenciais desenvolvidos pelos governos federal e estadual para amenizar este impacto econômico.
Ainda durante o mês de maio, o governo federal fez os primeiros anúncios de programas especiais de crédito para empresas gaúchas afetadas pela enchente, como o Pronampe Solidário. Em julho, começou a operar também o BNDES Emergencial, assim como o Pronampe Gaúcho, iniciativa do governo estadual e operado pelo Banrisul. As contratações de crédito no âmbito destes programadas é uma das áreas de monitoramento do Painel da Reconstrução, desenvolvido pelo Grupo RBS.
O Pronampe Solidário, com operações iniciadas no final de maio, foi o primeiro grande programa de contratação de crédito em condições especiais para as empresas atingidas pela enchente que foi anunciado pelo Poder Público. Voltado a micro e pequenas, e com aporte inicial de R$ 4,5 bilhões no Fundo Garantidor de Operações (FGO), o governo federal projetava alavancagem de até R$ 30 bilhões em contratações de crédito. Até o momento, foi contratado cerca de R$ 2,9 bilhões, pouco menos de 10% desta estimativa. Mas sem que o Congresso tenha validado a medida provisória (MP 1.216/2024) que institui o programa, os empréstimos suspensos em bancos e cooperativas estão atualmente suspensos.
— Esse programa foi muito importante quando foi criado, por ter oferecido esse primeiro socorro às micro e pequenas empresas diretamente atingidas. A interrupção das atividades gerou uma queda abrupta de faturamento, e normalmente as empresas de menor porte têm menos fôlego de recursos para os gastos do dia a dia, por isso aumentou muito a necessidade de um apoio financeiro para capital de giro, por exemplo — explica Patricia Bossle, analista de recursos financeiros do Sebrae-RS.
Uma pesquisa do Sebrae com micro e pequenas empresas do Estado divulgada em agosto revelou que 46% dos entrevistados procuraram financiamento para seus negócios, sendo que 75% destes buscaram recursos através de linhas emergenciais desenvolvidas para atingidos pela enchente. O estudo demonstrou ainda que os principais motivos para buscar financiamento foram o pagamento de contas, reformas, aquisição de equipamentos e compra de estoque, e que 58% dos que responderam têm intenção de buscar crédito no próximo bimestre para atender suas necessidades.
Um dos negócios que contratou crédito via Pronampe para retomar suas atividades foi o bar e restaurante Olivos 657, localizado na Rua da República, na Cidade Baixa, em Porto Alegre. O local foi inundado no início de maio e reabriu em meados de junho, após semanas de limpeza e reformas.
— Tivemos um prejuízo direto de pelo menos R$ 80 mil, sem contar os valores que deixamos de receber enquanto o restaurante estava fechado. Com o dinheiro do Pronampe conseguimos manter os pagamentos da folha, financiar a restauração do bar e comprar os móveis e itens que agente perdeu e precisava para reabrir — relata Frederico Müller, um dos sócios do estabelecimento.
BNDES Emergencial acelera contratações de crédito
Anunciado ainda no final de maio, o BNDES Emergencial, após alguns adiamentos, começou a operar efetivamente em 11 de julho. Com possibilidade de contratação de até R$ 15 bilhões em crédito, disponíveis a empresas de todos os portes, o programa, em pouco menos de dois meses, teve R$ 7,5 bilhões já contratados, se tornando a principal via de contratação de créditos para os negócios atingidos pela enchente no Estado.
— O atendimento às empresas e aos produtores atingidos pelas enchentes no Rio Grande Sul tem sido uma prioridade do BNDES e do governo do presidente Lula. Em uma velocidade seis vezes maior do que a média, o BNDES já mobilizou R$ 12,8 bilhões para empresas gaúchas afetadas pelas chuvas extremas, sendo a grande maioria para pequenas e médias empresas. Com mais de 34 mil operações, já são 445 municípios apoiados dentre os 497 existentes no Rio Grande do Sul — destaca o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, considerando também os valores que o banco já dispensou aos gaúchos em outras ações da instituição.
O BNDES Emergencial oferece três linhas de crédito: uma para capital de giro, outra para investimentos em maquinário e equipamentos e uma terceira para investimentos estruturais. Das três possibilidades, a mais solicitada é a de capital de giro, com R$ 6,15 bilhões contratados, o que gerou uma demanda pelo aumento desses recursos ao final de julho, chegando a 50% do total disponível no programa. Mesmo assim, os valores das outras linhas também já estão chegando aos empreendedores gaúchos.
— Contratamos recursos para capital de giro, usados para pagamento da folha, compra de matéria-prima e pequenos reparos, e recursos para reconstrução, que também foram liberados recentemente e que vamos usar para construir uma nova sede — afirma Jônia Koller, diretora financeira da Vinagres Prinz, que tinha sua unidade principal em Lajeado e que irá se mudar para Estrela, em uma área afastada do risco de alagamentos.
Mesmo com a aceleração do ritmo de contratação de crédito após o início da operação do BNDES Emergencial, empresários gaúchos ainda têm reclamações em relação à operação do programa. Além dos pedidos para expandir os benefícios às empresas localizadas fora da mancha de inundação mas que também tiveram impacto direto no faturamento, o que depende de autorização do Conselho Monetário Nacional (CMN), ainda há relatos de dificuldades de contratação por outros motivos.
— Na prática, verificamos algumas questões. O valor disponibilizado no fundo garantidor é insuficiente para a demanda, e a análise e exigência de garantias das empresas atingidas tem dificultado por parte dos bancos, que muitas vezes acabam não emprestando pra quem de fato mais precisa — aponta Rafael Goelzer, vice-presidente de integração da Federasul.
Pronampe gaúcho
Para reforçar as contratações de crédito por parte das empresas atingidas pela enchente, o governo estadual anunciou, em 15 de julho, a criação do Pronampe gaúcho, operado em parceria com o Banrisul. Assim como o Pronampe federal, o estadual é voltado a MEIs, microempresas e empresas de pequeno porte, além de sociedades simples, diretamente impactadas pela tragédia climática.
Para financiar o programa, o governo do Estado realizou aporte de R$ 100 milhões para subvenção, projetando financiar até R$ 250 milhões em crédito. O início da operação do programa ocorreu em 23 de julho, e já em 12 de agosto, cerca de 20 dias depois, os R$ 250 milhões projetados se esgotaram. Até o momento, governo estadual e Banrisul não anunciaram ampliação do valor disponibilizado.