Aos poucos, a indústria tenta amenizar os prejuízos causados pelo coronavírus no Rio Grande do Sul. Mesmo com a maior parte das fábricas rodeada por dificuldades, lideranças empresariais consideram que a retomada dos negócios pode ter início com o plano de reabertura gradual da economia, em vigor desde o último dia 11. O movimento de reação tende a ser lento, já que o comportamento da covid-19 joga incertezas para os próximos meses.
Para operar durante a pandemia, a indústria precisou se adaptar a uma série de restrições. Além de distribuir máscaras e álcool gel para funcionários, empresas tiveram de modificar linhas de produção, aumentando o distanciamento entre os trabalhadores. As mudanças influenciaram a rotina nas grandes e nas pequenas fábricas.
Em Porto Alegre, a prefeitura autorizou a reabertura industrial há cerca de um mês. Parte do comércio, entretanto, seguiu fechada nas semanas seguintes, como medida de precaução. Sem vendas nas lojas, fábricas também foram afetadas.
A partir de agora, a situação pode ter algum alívio, já que o comércio e o setor de serviços voltaram a operar, ainda que com restrições, dizem empresários. Na Capital, a prefeitura permitiu a reabertura de lojas de shoppings na semana passada. Restaurantes e bares também receberam sinal verde para o retorno gradual.
— A reação da economia deve ocorrer em ritmo lento. Ninguém sabe até quando vai a pandemia, nem empresários, nem governos, nem médicos. Hoje, o momento é extremamente complicado para a maior parte das indústrias — comenta o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), Gilberto Porcello Petry.
O dirigente acrescenta que há duas realidades. Uma é a das empresas que enfrentam restrições para negociar mercadorias, como é o caso das calçadistas e de vestuário. A outra parcela, menos numerosa, reúne as que fornecem produtos como alimentos e itens de limpeza. Durante a pandemia, esse grupo conseguiu manter ou até aumentar as vendas, diz o presidente da Fiergs.
Números divulgados pela Receita Estadual ilustram o cenário descrito por Petry. De 16 de março a 15 de maio, as vendas de alimentos e produtos de limpeza subiram em relação a período equivalente de 2019. A indústria de carne suína teve a maior alta no volume negociado, de 44%, em média. Na sequência, aparecem empresas dos ramos de arroz (43%), trigo (22%), itens de limpeza (17%) e leite (12%).
O setor coureiro-calçadista está na outra ponta. O tombo nas vendas, em média, chegou a 64%. Veículos (-56%), metalurgia (-42%), móveis (-39%) e têxteis (-38%) amargaram perdas robustas.
Gradual
O levantamento da Receita Estadual tem como base notas fiscais eletrônicas. Na soma de todas as categorias industriais, a queda atingiu 18% em março. Presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira entende que a retomada gradual pode atenuar os prejuízos. Por outro lado, ressalta que fábricas seguem com dificuldades de acesso a crédito. Na pandemia, o ramo calçadista já registrou 8,9 mil demissões no RS, calcula a Abicalçados, cuja sede fica em Novo Hamburgo.
Em abril, o governo federal confirmou medida provisória (MP) que autoriza empresas a reduzir jornada e salários ou suspender contratos por até três meses. Ferreira avalia que a MP ajuda a diminuir os impactos da covid-19, mas diz que as dificuldades tendem a superar o período de vigência.
— O prazo precisaria ser alongado. No Rio Grande do Sul, o primeiro passo para a retomada já foi dado. A questão é que o Estado responde por 22% da produção nacional de calçados, mas consome menos de 10%. Então, ainda dependerá da flexibilização em grandes centros urbanos do país, como São Paulo — pondera Ferreira.
Um dos principais desafios para a reação industrial é a retomada da confiança de empresários. Com a crise, o índice que mede esse sentimento despencou 28,3 pontos em abril e recuou mais 0,7 em maio, aponta a Fiergs. Assim, atingiu a marca de 32 pontos, a menor da série iniciada em 2010. O índice varia de zero a cem – quando está abaixo de 50, sugere falta de confiança.
— O Rio Grande do Sul tem pela frente o inverno. Se a pandemia permanecer no nível atual ou diminuir, a tendência é de sairmos da calamidade e passarmos a outro regime — resume Régis Haubert, diretor da regional gaúcha da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee).
Impacto nos negócios e na rotina
A pandemia de coronavírus chacoalhou a rotina de indústrias. Fabricante de equipamentos eletrônicos, a Globus não ficou imune. Paralisou as operações em Porto Alegre em março, atendendo a decreto. No retorno, em abril, distribuiu equipamentos de proteção a empregados, como máscaras e álcool gel, aumentou o espaçamento entre trabalhadores e estendeu o horário de almoço para evitar aglomerações no refeitório.
A sirene acionada no início e no fim do expediente também passou a soar durante a jornada. O sinal serve para avisar aos funcionários que é preciso higienizar as mãos e as ferramentas de trabalho, diz o diretor comercial da Globus, Gilberto Rossato de Medeiros:
— Como a empresa fabrica controladores de temperatura para frigoríficos, além de equipamentos para ambulâncias, por exemplo, reabrimos em torno de 10 dias depois de fechar.
Exterior
Mesmo com a crise, a fábrica pretende manter os 95 empregos. Para isso, fez uso da redução de jornada e salários ou suspensão de contratos do grupo de risco.
— O momento é crítico, mas, felizmente, a empresa não é uma das mais afetadas, em razão da estratégia de se voltar para o mercado global. O volume exportado corresponde a 60%. Os negócios no Exterior caíram, mas menos do que no país. Lá fora, a baixa foi de 40% a 50%. No Brasil, de 70% a 80% — afirma o diretor.
A empresa exporta para cerca de 30 países. Entre eles, Estados Unidos, Canadá e China. Conforme Medeiros, a Globus procurou ampliar nos últimos anos a oferta de produtos, o que também ajuda a amenizar as perdas:
— Já passamos por momentos de dificuldades, como em 2008. Agora, talvez estejamos preparados com maior mix de produtos.
No vermelho, mas com ritmo de queda menor
As vendas da indústria gaúcha acumulam perda de 18% no período de 16 de março a 15 de maio, frente a igual período do ano passado, aponta balanço da Receita Estadual. O tombo reflete os impactos do isolamento social para frear o avanço do coronavírus.
Apesar do desempenho negativo nesta comparação, números semanais indicam redução no nível de queda dos negócios. Segundo a Receita Estadual, entre os dias 9 e 15 de maio, as vendas do setor registraram baixa de 7% em relação a 2019. Trata-se do menor recuo semanal desde o início da crise.
No recorte anterior, de 2 a 8 de maio, a queda havia sido de 15%. Entre 28 de março e 3 de abril, as fábricas chegaram a amargar tombo de 41%, o maior desde o início da pandemia. Os prejuízos da indústria só não têm sido maiores devido ao comportamento dos ramos de alimentos e itens de higiene. O segmento de carne suína registrou o principal avanço até agora. No acumulado, a elevação alcançou a marca de 44%.
Além da demanda interna, o ramo de carne suína vem sendo beneficiado pelo crescimento das exportações. Os embarques em alta têm relação com o apetite da China, ainda prejudicada pela peste suína africana, explica Rogério Kerber, diretor-executivo do Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos do Rio Grande do Sul (Sips). Com o problema sanitário, o país asiático reforçou as compras no Estado.
No acumulado de janeiro a abril, as exportações de carne de porco congelada, fresca ou refrigerada tiveram salto de 73%, somando
US$ 168 milhões, conforme a Fiergs. Apesar do avanço nos negócios, a operação de frigoríficos instalados no Rio Grande do Sul foi abalada nas últimas semanas em razão do coronavírus.
Unidades chegaram a ser paralisadas devido à contaminação de trabalhadores.
– Estamos vivendo uma situação desafiadora com o coronavírus. O setor precisou se adaptar a isso – afirma Kerber.
Plano revisto para manter operações e empregos
Uma das marcas mais conhecidas do Rio Grande do Sul, a Tramontina revisou investimentos previstos para 2020 em razão da crise do coronavírus. Segundo o diretor industrial da empresa, José Paulo Medeiros, a medida faz parte da estratégia para preservar operações e empregos em meio à pandemia. Renegociações com fornecedores e clientes também foram adotadas.
Nascida em Carlos Barbosa, a companhia tem 5,7 mil funcionários em unidades na Serra. No total, incluindo atividades no Exterior, o número salta para 8,5 mil.
— Revisamos investimentos previstos para este ano. O que é necessário, deixamos. Fizemos nova leitura sobre aquilo que poderia ser postergado. A soma das nossas ações garantiu que a empresa continuasse operando, sem cortar nenhum funcionário — pontua Medeiros.
Com a chegada da covid-19 ao Estado, a Tramontina paralisou as atividades na reta final de março. A volta ao trabalho ocorreu em 13 de abril, acompanhada de medidas de proteção contra o vírus. Máscaras e álcool gel foram distribuídos aos trabalhadores. Além disso, o espaçamento entre funcionários ficou maior nas linhas de produção. Parte das equipes, como a do departamento de tecnologia da informação (TI), segue em home office, acrescenta Medeiros.
— No início, tudo foi novo. Ao longo das últimas semanas, aprendemos muito. Conseguimos passar pela fase inicial — descreve.
Cenário
A Tramontina exporta para 120 países. Como parte das nações já atravessou a fase mais crítica da pandemia, espera-se melhora gradual nas vendas externas, avalia o diretor. Ao analisar o cenário local, Medeiros elogia o plano de reabertura da economia gaúcha. Em vigor desde o último dia 11, o modelo elaborado pelo governo do Estado permite o funcionamento de setores conforme o quadro epidemiológico das regiões.
— O plano de distanciamento controlado no Rio Grande do Sul é bem interessante. Traz um pouco de tranquilidade para um momento de incertezas. Há um modelo em vigor, e as empresas têm de se adaptar a ele — conta o diretor industrial da Tramontina.