Alternativas previstas na medida provisória (MP) 936/2020 anunciada nesta quarta-feira (1) pelo governo federal, a redução temporária da jornada e a suspensão do contrato de trabalho podem conter a escalada da taxa de desemprego nos próximos meses. No entanto, diante da incerteza sobre a extensão da crise do coronavírus no Brasil, especialistas consideram a medida insuficiente para manutenção dos postos de trabalho a médio e longo prazos.
Segundo o texto da MP, os trabalhadores poderão ter redução de até 70% na jornada e, consequentemente, no salário por no máximo três meses. Durante este período, o governo pagará uma parte equivalente ao seguro-desemprego como complemento à renda do empregado. Há ainda a hipótese de suspensão do contrato por até dois meses, com o trabalhador podendo ter acesso a até 100% do valor que seria pago em caso de utilização do seguro-desemprego. Paralelamente, a empresa tem de manter benefícios, como plano de saúde.
Como contrapartida, as companhias que aderirem aos cortes não poderão demitir pelo mesmo período em que usarem o mecanismo. Ao todo, o governo federal reservou R$ 51 bilhões para manter o programa. Segundo a secretaria de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, 24,5 milhões dos 33,5 milhões de trabalhadores com carteira assinada no país devem ser atendidos pela iniciativa.
Economista e professora do Insper, Juliana Inhasz avalia que, em um primeiro momento, a medida tende evitar a aceleração abrupta da taxa de desemprego no país. Porém, passado o período de estabilidade garantido ao trabalhador, a situação tende a mudar.
- As demissões acabariam sendo empurradas para mais tarde. Ainda temos um cenário de muita incerteza nos próximos meses, e muitas empresas vão continuar sem receita. Poucas conseguem ficar mais de 30 dias fechadas, então elas devem continuar quebrando - aponta Juliana.
Na percepção do economista e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Luiz Fernando de Paula, a intenção do governo em preservar empregos deve ser alcançada inicialmente, mas o programa de manutenção das vagas pode perder sua efetividade conforme a crise se agrave. Além disso, Paula acredita que há demora do Executivo em tomar decisões que atenuem os impactos da pandemia do novo coronavírus na economia.
- O governo está atuando muito a reboque dos acontecimentos. Há cerca de 10 dias falava da suspensão dos contratos, sem compensação para o trabalhador, e voltou atrás após ser pressionado. Está se adotando medidas de enfrentamento, mas me parece que o governo ainda não tem um plano de saída da crise - pondera.
Negociação
Para o presidente da Central Única dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul (CUT-RS), Amarildo Cenci, a MP é um “paliativo” para enfrentar a crise e não impedirá os setores de demitirem. Além disso, mesmo com a complementação do salário dada pelo governo federal, o dirigente acredita que o trabalhador perderá renda, o que deve levar ao aumento da pobreza.
- Precisamos de uma política mais estruturada para enfrentar a crise. Está na hora de discutirmos uma mudança tributária que isente o imposto de renda para os trabalhadores com salários de até R$ 5 mil e taxe grandes fortunas, dividendos e os lucros do sistema financeiro - acredita Cenci.
O empresariado gaúcho deve começar a adotar as medidas de suspensão e redução das jornadas nos próximos dias, segundo o vice-presidente da Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul), Anderson Cardoso.
- A medida era necessária e até demorou um pouco para sair. A folha de pagamento e os impostos são as principais despesas das empresas. Esta medida toca na folha, mas ainda esperamos mais sinalizações em relação aos tributos - aponta Cardoso.
Para o dirigente, a prorrogação do pagamento de impostos para empresas com faturamento anual acima de R$ 4,8 milhões é uma das ações que poderia dar mais fôlego às empresas para atravessar a crise. Até o momento, o governo federal sinalizou com o adiamento apenas para as companhias do Simples Nacional.
Negociação individual é questionada
O vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS), Francisco Rossal, considera que a medida provisória editada pelo governo traz avanços em relação à MP 927, publicada há cerca de 10 dias e que flexibilizou parte da legislação trabalhista durante o período de calamidade pública no Brasil. Para Rossal, agora estão mais claras as diretrizes para a alteração ou suspensão da jornada de trabalho.
Entretanto, o desembargador questiona um dos pontos da MP: a negociação individual entre trabalhador e empresário para a redução salarial. Segundo Rossal, o trecho pode ser interpretado como inconstitucional pelos tribunais. Isso porque a Constituição de 1988 tem dispositivo destacando que qualquer redução de salário tem de passar por negociação coletiva.
- Esse é o calcanhar de Aquiles da medida provisória. E está se prevendo a negociação individual da redução dos salários justamente para os trabalhadores mais desprotegidos, que são os com rendimento de até três salários mínimos - destaca.
Diante deste contexto, Rossal aconselha que as empresas procurem sempre negociar via acordo ou convenção coletiva a redução da jornada dos trabalhadores.
Os reflexos da medida, na avaliação de economistas, empresários e sindicalistas
Prós
- Garante a manutenção dos postos de trabalho por até seis meses, no caso da redução da jornada, ou até quatro meses, em caso de suspensão do contrato. Isso deve evitar uma onda de demissões no país, ainda que momentaneamente.
- Diminui o custo da folha de pagamento das empresas em um período de queda abrupta de faturamento, garantindo maior fôlego ao caixa.
- Dá maior segurança jurídica para as empresas atuarem durante a crise do coronavírus, já que a medida provisória tem validade imediata. Ainda assim, o texto deve tramitar no Congresso e ser regulamentado.
Contras
- A negociação individual entre trabalhadores e empregados para acordar a redução de jornada é interpretada como inconstitucional por setores do Judiciário. Segundo a Constituição Federal, qualquer redução salarial precisa ser negociada coletivamente.
- Apesar de desestimular demissões no curto prazo, não há garantia da manutenção dos postos de trabalho depois deste período.
- Mesmo com a complementação de recursos garantida pelo governo federal, por meio do seguro-desemprego, a tendência é que boa parte dos trabalhadores perca renda durante o período em que tiver a jornada reduzida parcial ou integralmente.
Como funciona
Redução da jornada
- A jornada de trabalho e, consequentemente, o salário do trabalhador podem ser reduzidos por até três meses, desde que posteriormente a empresa garanta a manutenção da vaga por igual período da redução. O valor pago pela hora trabalhada não pode ser alterado.
- Há três faixas de cortes, de 25%, 50% ou 70% do salário do trabalhador. Durante o período, o governo federal complementaria a renda do empregado com o percentual equivalente ao seguro-desemprego que ele teria direito. Ou seja, se a redução da renda ficar abaixo de 25%, não haverá complemento; entre 25% e menos de 50%, a parcela será de 25% do seguro-desemprego; entre 50% e menos de 70%, a parcela será de 50% do seguro-desemprego; de 70% para cima, o complemento será de 70% do seguro-desemprego.
- A negociação pode ser feita individualmente no caso de funcionários que recebam até três salários mínimos (R$ 3.117) ou com rendimentos duas vezes acima do teto da Previdência (a partir de R$ 12.202). Nos demais casos, é necessário acordo ou convenção coletiva da categoria.
Suspensão do contrato
- O contrato de trabalho do empregado poderá ser suspenso por até dois meses, desde que posteriormente a empresa garanta a manutenção da vaga por igual período ao da suspensão.
- A suspensão poderá ser definida por meio de acordo individual escrito entre empregador e empregado. Se prevista em convenção coletiva ou negociada com sindicato da categoria, pode ser aplicada para todos os trabalhadores.
- Empresas com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões, dentro do Simples Nacional, não precisarão pagar nada ao empregado durante a suspensão. Neste caso, o trabalhador receberá 100% do seguro-desemprego a que tem direito. Empresas com receita acima de R$ 4,8 milhões ao ano terão de pagar uma ajuda correspondente a 30% do salário, e o trabalhador poderá acessar 70% do seguro-desemprego.
- Durante o período da suspensão, o trabalhador não poderá exercer qualquer atividade na empresa, mesmo que com carga reduzida.