
O jornalista Leonardo Vieceli colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
Coordenador do centro de estudos FGV Transportes, Marcus Quintella afirma que a retomada das companhias aéreas tende a ocorrer em ritmo lento no país. Na visão do especialista, a saída da crise provocada pelo coronavírus passa por ações voltadas a todo o sistema aeroportuário.
Companhias aéreas sinalizam retomada gradual de voos no país. Como o senhor descreve o cenário para o setor?
Não vejo ainda uma volta aos níveis de antes da pandemia. O que está sendo planejado é o início de uma retomada lenta e gradual, com alguns voos. As pessoas ainda não se sentem tão seguras para viajar, devido à questão sanitária.
O ministro Paulo Guedes disse que o governo viraria "sócio" de aéreas, comprando fatias das empresas (debêntures conversíveis) para auxiliá-las. Qual seria o impacto?
O que tem de concreto até agora é o pacote de financiamento para Gol, Latam e Azul, com o BNDES liderando o processo. Com as debêntures conversíveis, o governo não se torna sócio logo. Quem vai lançá-las são as empresas, com prazo de carência. Para se tornarem atrativas, tem de haver demanda na aviação, o que não existe hoje. Quem pode comprá-las no início, na forma de ajuda, é o governo. Aí as empresas prometeriam pagar esse dinheiro no futuro. Se isso não acontecer, o governo exerceria o direito de convertê-las em ações. É um processo que tem estar muito claro. Exige engenharia financeira, mas está muito incipiente. Pode ter sido uma ideia inicial do Paulo Guedes.
Isso seria suficiente?
Tem outras coisas também em discussão. O governo está editando medidas para postergar recolhimento de tarifas aéreas, adiamento de outorgas aeroportuárias. São pacotes para desafogar as empresas. Muitas coisas precisam acontecer.
A Avianca entrou com pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos. Há risco de algo semelhante no Brasil?
Possibilidade sempre há. Se vai acontecer, não sei. É preciso entender melhor a situação econômica das empresas. As companhias dizem que isso não vai acontecer, afirmam ter condições de sobreviver. O que vai ocorrer no mundo é uma concentração de mercado. Nos Estados Unidos, fala-se que vão ficar três grandes empresas depois da crise. Isso é ruim para qualquer mercado. A situação é perigosa, e por isso o governo tem de intervir. Existe otimismo entre as aéreas no Brasil, mas se fala muito em retomada ao nível de 2019 só em 2023. Até lá, o setor vai aumentando aos poucos.
Antes da pandemia, o governo queria atrair mais companhias de baixo custo (low cost) ao Brasil. A crise também freia esse movimento?
Sim. Vi que, no mundo, há cerca de 17 mil aviões parados. A pior coisa para o setor é avião no chão. É preciso se preocupar com todo o sistema aeroportuário. Também falo das empresas de turismo, de comerciantes de aeroportos, de fabricantes de aeronaves. Os aeroportos têm um mundo muito maior, com cadeia produtiva no seu entorno. Por isso que se fala de uma volta ao nível pré-crise só em 2023 ou 2024. O setor aéreo é dependente do restante do PIB nacional.