Conheci o Guilherme* no Facebook, em 2017. Não adiciono quem não conheço, ele foi uma exceção. Como tínhamos amigos em comum, acabei aceitando o convite e engatamos uma conversa.
Foi tudo muito rápido, eu estava encantada, ele era um príncipe. Em três meses, fomos morar juntos, era o cara dos meus sonhos, achei que íamos casar. Fazia algum tempo que estava solteira, tinha um filho do relacionamento anterior, não queria mais namorar. Mudei de ideia quando o conheci.
Como ele morava de aluguel e eu sozinha, combinamos de viver juntos. Ele trabalhava na área comercial, mas não era independente financeiramente, dependia da família, não geria as finanças, o que sempre foi um ponto de discussão. Alguns meses depois, ainda no início do relacionamento, ele mudou. Começou a ter atitudes grosseiras, mas eram fatos isolados. Pelo menos eu achava que eram.
Ele começou a gritar, intimidar, desrespeitar. Saí do emprego na época e fiquei alguns meses sem trabalhar. Quando estava prestes a conseguir uma posição, minha vida virou um inferno. Ele me questionava "por que trabalhar?". Queria me manter em casa.
O Guilherme começou a reclamar dos meus amigos. Nem dos meus parentes queria que eu estivesse próxima, meus sobrinhos não podiam me ver. Tinha ciúmes de tudo e de todos. Fiquei vivendo o mundo que ele queria, isolada.
Nessa época, os gritos só aumentavam. Uma vez, cheguei do trabalho e ele me pegou pelo pescoço e disse "Se eu sonhar que tu estás me traindo, vou te matar". Tínhamos um ano de relacionamento. Fiquei assustada, mas não conseguia ver o tamanho da situação, achava que era ciúmes.
Foi uma época difícil, ele chegou a fazer escândalo no meu local de trabalho. Ficava parado na frente do prédio onde eu trabalhava, com a desculpa de me dar uma carona. Pedi demissão, não tinha condições. Foi ali que nos separamos pela primeira vez, por dois meses. O problema é que eu não conseguia perder o vínculo, ele dizia que nunca tinha me agredido, porque agressão era tapa e soco. E ele nunca tinha feito isso. Acabei acreditando.
Quando reatamos, ele passou a dizer que eu queria cuidar do corpo para chamar atenção de outros homens. Nosso dia a dia tinha altos e baixos. Tentei terminar várias vezes e fui enrolada com a falsa promessa de que tudo ia mudar, e eu, no fundo, acreditava. Quando fui promovida no ano passado, contei para ele, e a recepção foi horrível. Confessou que queria me ver bem, mas não conseguia se alegrar pelas minhas conquistas e não sabia dizer o porquê. Ficamos cinco meses separados da última vez, até que, no início de março, ele mandou uma mensagem. Disse que eu era a mulher da vida dele, que era comigo que queria ter uma família. Combinamos que iríamos começar do zero, ele pediu perdão, disse que era um idiota, inseguro, que não queria me perder. E eu cedi de novo.
Tentei terminar várias vezes e fui enrolada com a falsa promessa de que tudo ia mudar, e eu, no fundo, acreditava."
No início de março, dias antes de começar a quarentena, resolvemos tentar para valer. Fui para a casa dele para ficarmos juntos. Entrei em home office e passei o tempo todo com ele em casa, 24 horas por dia. Acho que tanto tempo junto só intensificou o que sempre foi ruim. Na primeira semana, começamos a ter problemas com as ligações do meu trabalho. Alguns funcionários ligavam pedindo informações, e ele ficou incomodado. Começamos a discutir muito no confinamento. Em uma das discussões, ele apontou o dedo no meu rosto e empurrou a minha cabeça. Decidi que não dava mais, era preciso voltar para casa, mas não dei um ponto final na relação – isso foi no início de abril.
No dia seguinte, ele foi até a minha casa e me deu flores. Disse que era para celebrar nossos três anos juntos, mesmo entre idas e vindas. Na mesma noite, começou a me mandar mensagens dizendo que estava com medo de não ser suficiente para mim, que tinha inseguranças, que não estava bem.
No outro dia, ligou e pediu para eu sair de casa porque ele queria falar comigo. Achei que iria me dar mais flores, mas ele estava transtornado. Disse que eu não falava a verdade, começou a me chamar de vagabunda, de mentirosa. Quando me dei conta, me empurrou.
Tentei me defender, mas o Guilherme era mais forte, me segurava muito, pegava meus braços, torcia, girava a minha mão. Caímos no chão, minha roupa ficou toda rasgada. Uma pessoa viu a confusão, se aproximou, e ele entrou no carro e foi embora. Quebrou dois dedos meus. Ali morreu meu amor por ele, mas, acredite, mesmo assim minha ficha de que eu estava num relacionamento abusivo ainda não tinha caído. Lembro que ele fechava a mão durante essa briga e dizia: "não vou te socar, sei que tu quer isso, mas tu só vai me ferrar".
Decidi ir à delegacia dar parte. Sabia que o que tinha acontecido não era certo, mas acho que não tinha a dimensão do que eu estava passando. Nem conseguia responder o questionário da polícia porque minhas mãos estavam doendo muito. Lendo as perguntas, senti vergonha. Olhei para trás, tinha que dizer o que já tínhamos vivido.
Consegui a medida protetiva imediatamente, coloquei um lembrete no meu celular para quando acabar, porque quero tentar renovar. Não quero que ele chegue perto de mim. Minha família ficou incrédula, assim como os meus amigos. Sempre escondi como era a nossa relação. Nunca imaginei que iria chegar a esse ponto. Eles diziam para mim: "Como assim, tu, toda empoderada, deixou ele fazer isso?". Eu só sabia responder: "Não sei".
Meus chefes me ajudaram muito nesse momento, sugeriram até de me ajudar para eu ir para outro lugar por segurança. Eles se ofereceram para pagar advogados, me deram todo o apoio, me senti acolhida.
Não precisava dele para nada, sou independente, bem resolvida, não é questão financeira. Fiquei um mês sem dormir, não saía de casa nem para ir no mercado. Quando fechava os olhos, voltava a cena na minha cabeça. Comecei a receber algumas ligações de madrugada, fiquei com medo. Não sei do que ele é capaz.
Cristina*, 29 anos, trabalha no departamento pessoal de uma empresa
*Os nomes usados no relato são fictícios para garantir a segurança da vítima.