Você sente que recebe mais críticas do que elogios? Na maioria das vezes, esses comentários colocam você para baixo? Vive pisando em ovos para manter uma boa relação com outras pessoas? Seu namorado a proíbe de sair com as amigas?
Situações como essas revelam mais do que problemas usuais de uma relação: escondem comportamentos tóxicos. Mais frequentes entre casais, podem acontecer em casa, entre amigos e até no ambiente de trabalho. Donna ouviu relatos de quem passou por isso e consultou especialistas que compartilharam dicas de como identificar esse tipo de situação.
Com o namorado
Era tarde da noite quando Marcela* chegou em casa com o rosto machucado. A mãe se assustou ao descobrir que a filha tinha sido assaltada. Essa foi apenas uma das mentiras que a estudante de 30 anos contou à família para esconder as agressões do ex-namorado. Preferiu atribuir à violência urbana do que revelar a verdade.
– Eu escondia de todo mundo os roxos pelo corpo. Até que um dia ele me deu socos no rosto e eu tive que inventar para a minha mãe que fomos assaltados e os caras tinham nos agredido. Eu tinha que viver mentindo – desabafa a mulher, que teve o nome trocado porque preferiu não se identificar.
A universitária namorou o mesmo homem durante três anos e essas agressões físicas foram o ápice de uma relação que ela não identificava como abusiva. No entanto, os sinais de que algo estava errado apareceram ainda no início do romance.
– Ele não deixava que eu usasse alguns tipos de roupa, me proibia de ir à academia, de encontrar ou falar com minhas amigas. Para ele, elas eram vagabundas e eu também era. Para ele, mulheres que fossem independentes, que saíssem com as amigas para beber, que tivessem amigos homens, eram todas vagabundas – conta. – Eu tinha muita vergonha de contar para alguém, afinal, eu, uma menina que cursa Direito, bem informada, instruída, como fui permitir isso? Eu não sei dizer e ainda sinto vergonha.
Sentir culpa e vergonha são alguns dos mais recorrentes sintomas de quem sofre uma relação abusiva. A mulher normalmente leva um tempo para compreender que está sendo vítima e enfrenta uma série de dificuldades para admitir que isso está acontecendo. Por isso, muitas vezes, acaba se calando sobre o assunto.
– O relacionamento abusivo se dá em silêncio e por isso é importante romper esta ausência de fala. Normalmente a mulher abusada não percebe a gravidade do caso e acaba justificando comportamentos do abusador como falhas suas. É importante que fique claro que abusador não é parceiro. Abusador é abusador. Se você estiver dúvida se está em um relacionamento abusivo, busque atendimento psicológico hoje. Agora! – alerta a psicóloga Marina Ortolan Araldi, professora de Psicologia da Universidade La Salle.
Marcela buscou ajuda e rompeu com o ex, mas nunca mais conseguiu se relacionar com ninguém:
– Quando eu decidi terminar e contar para minha família, senti que não estava sozinha e foi aí que me dei conta da gravidade da situação. Depois disso, há três anos, não namorei mais ninguém. Não sei se tem a ver com tudo isso que vivi.
Segundo a psicóloga especialista em relacionamentos Camila D’Ávila Moura, é possível que tenha. Relações emocionalmente desgastantes podem deixar sequelas para o futuro.
– Uma relação tóxica pode limitar essa mulher no desenvolvimento de outros papéis. E existe um risco de ela ter muito medo de se relacionar novamente ou então entrar no mesmo padrão de dependência afetiva com outra pessoa. É muito comum que as mulheres repitam esse padrão. Por isso, é importante que ela procure ajuda profissional para reavaliar essa conduta.
É bem verdade que quando falamos em relacionamentos abusivos, a discussão muitas vezes se restringe a um casal. Mas esse tipo de situação pode acontecer também entre pais e filhos, amigos ou no trabalho, por exemplo. Mesmo que não haja violência física nessas relações, algumas atitudes configuram abusos.
– A maior dificuldade das pessoas e principal queixa dos pacientes em um consultório de psicoterapia são seus relacionamentos. Relacionar-se é um ato de coragem, porque a gente vive isso todo dia, com pessoas diferentes. É isso que leva as pessoas a procurar um atendimento psicológico, o modo como elas vão viver as relações em que estão, não somente as conjugais. Então sim, há abusos em vários tipos de relacionamentos – atesta Marina.
Com a sogra
Também sem se identificar, uma assistente comercial de 23 anos conta que passou por maus-bocados com a ex-sogra. O casal de adolescentes, ambos com 17 anos, não tinha privacidade e os dois eram alvos de chantagem emocional.
– Minha ex-sogra era muito protetora com meu ex-namorado. Agia como se o filho dela nunca fosse crescer. Não tinha limites e muito menos noção. Entrava no quarto sem ser anunciada. Quando começamos a fechar o quarto, ela fez uma cópia da chave. Após inúmeras brigas, ele decidiu que tinha passado dos limites e foi falar com ela. E adivinha? Ela disse que ia se matar e nos acusou de sermos ingratos – descreve a jovem.
A psicóloga especialista em relacionamentos explica que é possível minimizar o conflito a partir do momento em que você cria expectativas e não espera uma mudança do outro:
– Se a gente vive trabalhando nessa expectativa de que o outro vai cumprir com o que eu desejo, eu serei uma eterna frustrada. Em uma relação com uma sogra que é chata, se eu entendo que o papel dela é ser sogra e isso não vai mudar, posso tentar compreender as limitações dela, entender que ela é diferente de mim, e aceitar essa diferença, a fim de minimizar os danos dessa relação.
Com o chefe
Já são 15 anos trabalhando no mercado financeiro, e a bancária Paula*, de 37 anos, ainda depara com abusos no ambiente corporativo. Existe uma lista de ações que configuram assédio moral. No entanto, a verdade é que esse comportamento de poder excessivo de um sobre o outro pode facilmente passar despercebido. Pior: pode ser ignorado por medo de represálias.
– Meu gestor na época passou a ignorar minha presença e me excluir de reuniões importantes. Isso tirou de mim as ferramentas que precisava para fazer um bom trabalho. Ia me prejudicar. Acontece que demora até você identificar quais atitudes são tóxicas. Você começa a duvidar da sua capacidade, acha que é coisa da sua cabeça, se desestabiliza e isso acaba afetando sua saúde emocional e seu rendimento profissional – comenta ela, que também optou por não revelar seu nome verdadeiro à reportagem.
Hoje gestora, ela diz que ressalta a importância de não fugir do problema. Em outras palavras, considera fundamental pedir ajuda e não se calar diante de atitudes abusivas. Um detalhe que muita gente não sabe é que o assédio pode ocorrer em público ou não. Levar a questão a canais de ética, que são comuns em empresas do ramo, é uma opção segura para fazer uma denúncia anônima.
– Normalmente é um processo bem estressante, mas é preciso expor. Se você sair dessa área ou da empresa, o chefe abusivo vai continuar fazendo isso com outras pessoas. Além do mais, internamente, você também não aprendeu a lidar com essa situação. Minha dica é tomar cuidado para não guardar esse sentimento por muito tempo. Isso pode levar a um “suicídio corporativo”, que eu chamo.
Por falta de coragem ou de apoio, a pessoa mina seu trabalho e se prejudica, afinal, a corda arrebenta no lado mais fraco – frisa a bancária.
Como é possível reconhecer um relacionamento abusivo?
Para identificá-los, é preciso exercitar a auto-observação e reparar em comportamentos repetidos que denotam hostilidade, chantagem emocional, abuso de poder, repressão e conduta manipuladora. Sendo assim, é preciso procurar a ajuda de profissionais experientes.
Os sinais tendem a se repetir. Especialistas consultados por Donna listaram alguns deles. Confira:
- Sentir que suas ideias e opiniões são desconsideradas
- Ser xingada e ridicularizada, a sós ou na frente de outras pessoas
- Sentir-se sempre em alerta e “pisando” em ovos
- Sentir-se culpada na relação
- Sentir-se insegura e com baixa autoestima
- Perceber um ciúme patológico/exacerbado do abusador
- Passar por situações de violência verbal, física, sexual e/ou financeira
- Ser ameaçada
- Ter sua autonomia limitada e sentir-se coagida a liberar acesso irrestrito às informações pessoais como celular, redes sociais e conta bancária
*os nomes foram trocados para preservar as identidades das fontes