Se você quer ajudar uma amiga em situação de violência doméstica, é preciso ser paciente. Compreender a lógica em que essa mulher está presa é o primeiro passo para ajudá-la.
A primeira lição é: violência doméstica não é só a que acontece dentro de casa, por um companheiro, mas também aquela praticada por um eventual parceiro íntimo. Seu ciclo tem três fases.
Funciona assim: geralmente, o início do namoro é uma lua de mel; o homem é amoroso e cuidadoso. Na segunda etapa, cresce a tensão entre o casal e surgem as ameaças. A fase seguinte é a explosão da violência: é quando ocorrem as agressões, sejam físicas ou verbais.
Pode ser que, neste momento, a vítima se afaste ou tente se separar. É aí que o agressor pede desculpas, promete nunca mais agredi-la e a relação volta para o estágio da lua de mel.
Diversas razões podem prender uma mulher nessa armadilha, como a dependência financeira e o medo de prejudicar os filhos. Contudo, a questão emocional tende a pesar mais, diz a advogada Paola Pinent. O agressor desqualifica a vítima constantemente até convencê-la de que ela jamais teria outro parceiro. Com a autoestima baixa, ela não consegue se imaginar em um relacionamento saudável e acaba aceitando o pedido de desculpas.
– Quando uma amiga retorna a uma situação de violência, a gente tende a perder a paciência. Mas é preciso entender o seu sofrimento – afirma ela, que tem experiência de voluntariado no Mapa do Acolhimento.
É preciso ter cuidado para não culpabilizá-la e respeitar sua autonomia sobre a decisão de denunciar".
MILENE BORDINI
psicóloga
Desde 2016, o projeto mapeia Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher e centros de referência que acolhem vítimas de violência de gênero. No site mapadoacolhimento.org, elas solicitam auxílio jurídico ou psicológico e são encaminhadas para profissionais que realizam os atendimentos gratuitamente.
Não culpe a vítima
A psicóloga Milene Bordini destaca a importância de uma abordagem respeitosa na hora de conversar com uma vítima desse tipo de violência.
– É preciso ter cuidado para não culpabilizá-la e respeitar sua autonomia sobre a decisão de denunciar –diz.
Desconstruir o mito de que "a denúncia vai oferecer mais risco à vítima" é fundamental, na opinião de Tatiana Bastos, que atuou como delegada titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) e diretora da Divisão de Proteção e Atendimento à Mulher no Rio Grande do Sul. Para ela, o olhar de quem está fora da relação é crucial para ajudar a vítima a perceber sinais muitas vezes imperceptíveis para ela:
– É importante falar que existe vida sem violência e que ela vai encontrar amparo nas delegacias. Procurar a polícia não serve só para responsabilizar o agressor, mas principalmente para proteger a mulher – afirma.
Confira, a seguir, algumas dicas de nossas entrevistadas:
Chame atenção para o assunto
Se a sua amiga vítima de violência nunca abordou a questão com você, indicar uma série ou filme que trate do tema pode ser um bom jeito de chamar a atenção para o problema e estimulá-la a comentar algo. Usar um exemplo hipotético para puxar conversa também pode ajudá-la a se identificar e se abrir com você.
Respeite sua autonomia
A advogada Paola observa que, quando confrontada, a vítima tende a se afastar de quem tentou chamar sua atenção para o problema. Para evitar uma situação desconfortável para sua amiga, a psicóloga Milene sugere uma abordagem acolhedora. Em vez dizer “vamos lá na delegacia agora”, pergunte “o que você pensa sobre denunciar? O que acha que pode acontecer?”. Assim a vítima se sente acolhida.
– Na conversa, ela pode perceber o que está fora do que deveria ser um relacionamento de respeito – diz Milene.
Contudo, em casos em que a violência já escalou para agressões físicas ou se há ameaças de morte, você pode denunciar. Lembre-se que qualquer pessoa pode fazer uma denúncia anonimamente. No Estado, dê preferência para o número 180. É possível ainda acionar a Brigada Militar pelo 190 para casos urgentes.
Oriente
Informe-se e oriente sua amiga. É importante que a vítima conheça seus direitos. Assim como uma agressão física, a violência psicológica que baixa a autoestima da mulher e até a violência patrimonial (sumir com documentos ou cartões de crédito da mulher, por exemplo) configuram violência doméstica.
Segundo a delegada Tatiana Bastos, o que começa no nível psicológico tende a crescer e pode chegar ao ato extremo da violência de gênero, o feminicídio.
– A maioria das mulheres sofre calada. Quanto mais tarde ela chega à delegacia, menor nosso campo de atuação para protegê-la – afirma a delegada.
Pela Lei Maria da Penha, é possível solicitar à Justiça Medidas Protetivas de Urgência (MPU), como por exemplo uma ordem de afastamento. Se o agressor a descumpre, pode ser preso.
Crie uma rede de apoio
Fale com outras amigas e familiares. É importante pessoas próximas estarem cientes da situação e oferecerem ajuda à vítima.
Não procure o agressor
Não é recomendável tentar mediar o caso com o agressor. Você pode colocar-se em risco ou mesmo aumentar o perigo ao qual sua amiga já está submetida.
Acompanhe sua amiga na delegacia
Se a vítima decidiu fazer a denúncia, ofereça-se para acompanhá-la. Vocês podem ir a qualquer Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento. O diferencial das delegacias especializadas é que o atendimento tende a ser mais acolhedor e há uma articulação mais eficaz com outros serviços da rede de proteção, como casas de acolhimento ou assistência social. Você também pode se disponibilizar para ficar com os filhos dela enquanto ela vai fazer a denúncia, por exemplo. O importante é colocar-se à disposição para facilitar esse momento.
Contatos
Brigada Militar – 190
- Se a violência estiver acontecendo, a vítima ou qualquer outra pessoa deve ligar imediatamente para o 190. O atendimento é 24 horas em todo o Estado.
Polícia Civil
- Se a violência já aconteceu, a vítima deverá ir, preferencialmente à Delegacia da Mulher, onde houver, ou a qualquer Delegacia de Polícia para fazer o boletim de ocorrência e solicitar as medidas protetivas.
- Em Porto Alegre, a Delegacia da Mulher na Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia, no bairro Azenha. Os telefones são (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências).
- As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há DPs especializadas no Estado. Confira a lista neste link.
Delegacia Online
- É possível registrar o fato pela Delegacia Online, sem ter que ir até a delegacia, o que também facilita a solicitação de medidas protetivas de urgência.
Central de Atendimento à Mulher 24 Horas – Disque 180
- Recebe denúncias ou relatos de violência contra a mulher, reclamações sobre os serviços de rede, orienta sobre direitos e acerca dos locais onde a vítima pode receber atendimento. A denúncia será investigada e a vítima receberá atendimento necessário, inclusive medidas protetivas, se for o caso. A denúncia pode ser anônima. A Central funciona diariamente, 24 horas, e pode ser acionada de qualquer lugar do Brasil.
Defensoria Pública – Disque 0800-644-5556
- Para orientação quanto aos seus direitos e deveres, a vítima poderá procurar a Defensoria Pública, na sua cidade ou, se for o caso, consultar advogado(a).
Centros de Referência de Atendimento à Mulher
- Espaços de acolhimento/atendimento psicológico e social, orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência.