"Eu estava com 33 anos, na fase de querer casar e construir uma família. Conheci o André* em um site de relacionamento e começamos a namorar. Vi que ele tinha alguns comportamentos estranhos, era ciumento, às vezes queria que eu mudasse a roupa. Pensei que ele estava traumatizado porque tinha sido traído pela ex e assim, aos poucos, fui deixando de fazer algumas coisas.
Depois de uns seis meses, ele me pressionou para irmos morar juntos na minha casa, pois não tinha o por que pagar aluguel. Fui cedendo, na maioria das vezes para não me incomodar. Tudo terminava em brigas.
Ele passou a ter atitudes que passavam do limite. Por causa do ciúmes, colocou um rastreador no meu celular, escutava minhas conversas no trabalho. Eu enxergava que aquilo não era normal, mas, ao mesmo tempo, ele era um cara bacana, apaixonado, parecia ser trabalhador.
O André sempre se dizia uma vítima da vida, e eu comprei essa ideia: nada dava certo porque todo mundo estava contra ele. Passei a enxergá-lo desta forma e, por isso, achei que o melhor era usar as minhas economias para ajudá-lo a abrir uma empresa – antes, ele trabalhava no setor automotivo. Mesmo com sinais de que a relação não ia bem, os anos foram se passando, sempre gostei muito dele e investi para ter uma família. Eram altos e baixos, tínhamos momentos bons, sabe?
Acabei engravidando, e a gravidez fez tudo ir ainda mais para o buraco. Na época, sabia que ele usava maconha. Hoje, sei que também tinha outras drogas. Ele começou a me trair, usou mais droga ainda, não queria trabalhar, passava dias dentro de casa. A empresa foi indo para o buraco, e eu me endividando. Quando descobri as traições, pedi para ele sair de casa. Mas, quando eu tentava terminar o relacionamento, ele sempre dizia que a casa também era dele e reclamava que não tinha dinheiro para recomeçar. Ofereci até um carro para ele sair com algum dinheiro. Nunca deu certo.
Quando olhava para trás, para aqueles sete anos, eu dizia que não tinha sofrido violência física, mas depois percebi que sofri, sim. Nas discussões, quando ele precisava me machucar nos braços para pegar meu celular, ou avançar em mim, não media forças. O André chegou a me pegar pelo pescoço e a ameaçar, dizer que tinha vontade de me matar, mas nunca me deu um soco de fato. Sempre me chamava de muitos palavrões.
Tenho uma família estruturada, mas nunca abri o jogo para eles. Eles podiam até desconfiar de que tinha algo errado, mas eu escondia, dizia que estava tudo bem.
Sempre me achei poderosa, nunca pensei que passaria por isso. Demorei muito tempo para entender que poderia ser vítima de algo, e ainda não me vejo como vítima. Ele me humilhava, dizia que sem ele não ia ser ninguém. Das pequenas às grandes coisas, comecei a me achar incapaz mesmo. Ele me proibiu de passar na casa dos meus pais, não podia ir até a casa de amigas. Ele podou minha rede de apoio emocional.
Nos últimos três anos de relacionamento, só ouvia ele. O André estava sempre de mal com a vida, se eu não questionasse nada, tudo ficava "bem". Fui deixando de fazer perguntas, não queria mais brigar. Ele começou a me acusar de louca e desequilibrada toda a vez que discutíamos. Procurei psicólogos, e os especialistas diziam que eu não tinha nada. Hoje, tenho consciência de que sofri violência psicológica.
Chegou a me pegar pelo pescoço e a ameaçar, dizer que tinha vontade de me matar, mas nunca me deu um soco de fato. Sempre me chamava de muitos palavrões.
Um dos momentos que mais me dói é lembrar da gravidez. Quando fui para o hospital com contrações, ele me deixou sozinha lá por dois dias. No terceiro, não deixou eu ligar para a minha mãe. Foi nos últimos seis meses da relação que comecei a me dar conta de que, talvez, estivesse em um relacionamento abusivo. Passei a ler sobre o assunto. Deu aquele start de que eu me encaixava nos sintomas que falavam nas matérias. Mas, no fundo, negava.
Ia trabalhar com dor no coração por deixar meu filho com ele. André me mandava vídeo do meu filho chorando, no chão, dizendo: "Olha o que tu faz com o teu filho quando tu sai para trabalhar". Ele queria me culpar, mesmo que eu sustentasse a casa. Quando ele me ameaçou que ia sumir com meu filho, tive o meu despertar. Quando começou a quarentena, o meu filho ficou doente. Precisei ficar em casa e já comecei o home office na sequência. O André ficava em casa, mas não ajudava em nada.
No quarto dia, eu estava esgotada. Abri um espumante para relaxar, e ele questionou porque eu estava com cara de cansada e me chamou de bêbada por estar tomando uma taça. Gritou e começou a me chamar de louca. Ali eu perdi a cabeça. Decidi sair com meu filho de casa, peguei ele e fui para a rua. Ele arrancou o bebê dos meus braços e me deixou do lado de fora, na rua, trancou o portão eletrônico.
Liguei para a polícia e para o meu pai, pedi ajuda, fiquei desesperada. Não sei como, mas pulei o portão, machuquei as mãos, só pensava no meu filho. Meu pai chegou logo depois. Com muita conversa, peguei meu bebê de volta e eu fui para a casa dos meus pais. No dia seguinte, ele não quis ir embora.
Com o apoio da minha família, procurei a Polícia Civil, a proteção da Lei da Maria da Penha. Confesso que a medida protetiva é um alívio porque sei que, se ele falar comigo, talvez ainda consiga me convencer de que sou culpada de algo. É um poder sobre mim. Ele me mandou áudios, quebrou a medida, e fica me questionado porque fiz isso. E, no fundo, ainda acredito que sou culpada.
Nunca imaginei que passaria por isso, que teria que tirar o pai do meu filho à força de casa, mas não tive saída. Ele segue me ameaçando todos os dias. Diz que vai tirar tudo de mim, principalmente o meu filho. Ele invadiu a minha casa mesmo depois de tudo isso. O desespero dele é não conseguir falar comigo, por isso me manda áudio o tempo todo. Toda a vez que ele faz isso, eu vou na delegacia e registro B.O. Coloquei grade em toda a minha casa, paguei a vigilância do bairro.
Estou tentando me restabelecer, mas sei que tudo está recém começando. Por mensagem, ele sempre diz que não vai desistir".
Laura*, 41 anos, bancária
*Os nomes usados no relato são fictícios para garantir a segurança da vítima.