O lar não é um lugar seguro para todas as mulheres. Cristina* recebeu o então namorado pensando que ganharia mais flores – e teve dois dedos da mão quebrados. Também na própria casa, Laura* pulou a grade, em desespero, para pegar o filho bebê, que o ex-marido não queria entregar.
A profissional que atua em Departamento Pessoal e a bancária, respectivamente, fazem parte de uma estatística que não para de crescer. A busca por ajuda por meio do número 180, central de atendimento à mulher em situação de violência do governo federal, apresentou uma alta de 37% apenas em abril.
Muitos casos vão além pela falta de socorro. No Estado, os registros de feminicídios subiram 66% em abril, primeiro mês completo de distanciamento social devido ao coronavírus – foram 10 gaúchas assassinadas. Já em maio, o índice teve queda, apesar dos dados acumulados no ano revelarem uma alta de 34,4% na comparação com 2019.
A situação não é diferente no restante do Brasil: o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ao reunir dados divulgados por 12 estados, apontou que os assassinatos de mulheres por questão de gênero cresceram 22% no bimestre março-abril.
– Vivemos uma pandemia dentro da outra. É uma epidemia social, uma violência estrutural. E estamos enfrentando ainda o desafio da subnotificação. Acaba se tornando uma violência ainda mais invisível – avalia a delegada Tatiana Bastos, Diretora da Divisão de Proteção e Atendimento à Mulher no RS e titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) de Porto Alegre.
Vivemos uma pandemia dentro da outra. É uma epidemia social, uma violência estrutural. E estamos enfrentando ainda o desafio da subnotificação. Acaba se tornando uma violência ainda mais invisível."
TATIANA BASTOS
titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher
A violência está em todas as classes sociais. E não só a física: pode ser a psicológica, a patrimonial, a sexual ou a moral. Esse ciclo imposto pelo agressor ataca a mulher em suas vulnerabilidades, explica Márcia Soares, diretora executiva da Themis, organização de defesa e promoção dos direitos das mulheres:
– Mulheres com maiores possibilidades financeiras costumam ter uma rede de amigos, familiares, médicos, o que ajuda a ter uma rota de saída. Mas, muitas vezes, não é suficiente. O ciclo da violência envolve uma relação hierárquica, de subalternidade social e psicológica.
Para mostrar que índices de violência doméstica tratam de vidas, e não de números, a Revista Donna conversou com Cristina* e Laura*, com nomes fictícios e cidades não identificadas, sobre o início do relacionamento abusivo até o momento em que decidiram pedir ajuda durante o distanciamento social. Hoje, ambas estão amparadas por medidas protetivas.