No primeiro mês completo de distanciamento social no Rio Grande do Sul imposto pela pandemia de coronavírus, alguns tipos de roubos e furtos caíram pela metade, enquanto o feminicídio cresceu 66%. Os dados do mês de abril foram apresentados na manhã desta quinta-feira pelo vice-governador e secretário da Segurança, Ranolfo Vieira Junior.
Sete indicadores de crimes patrimoniais apresentaram queda em abril de 2020 se comprados a igual período de 2019. As reduções foram de 21,3% no caso do roubo de veículo, 36,7% no furto de veículo, 56,4% em roubos em geral, 51,8% no total de furtos, 36% em ataques a comércios e 54,3% nos roubos dentro do transporte coletivo. Os ataques a banco no Estado tiveram decréscimo ainda maior, de 90%. Foi registrado apenas um caso, um furto cometido em Canoas no dia 5 de abril, enquanto em igual período de 2019 foram 10 ocorrências contra estabelecimentos bancários, na soma entre furtos e roubos.
— Não temos dúvida que o distanciamento social contribuiu para essa redução mais acentuada, mas, embora estejamos passando por este momento, as forças de segurança pública permanecem atuantes 24 horas por dia. Assim como os profissionais de saúde, os servidores da segurança estão presentes a qualquer momento — reforça Ranolfo.
O comandante-geral da Brigada Militar, coronel Rodrigo Mohr Picon, atribui os números em queda à resposta que a corporação tem dado a crimes como arrombamento e furto qualificado, especialmente a comércios e empresas que estão vazios devido às medidas para conter a propagação da covid-19:
— Estamos fazendo um trabalho especialmente na madrugada, quando mais acontecem estes crimes, com forte abordagem de qualquer pessoa que esteja circulando na rua.
O que já era uma preocupação entre a cúpula da Segurança do Estado, o aumento de feminicídios durante o distanciamento social, acabou se confirmando em abril. Foram 10 mulheres assassinadas por questões de gênero no período, contra seis no mesmo período de 2019, o que representa acréscimo de 66,7%.
Embora a alta ocorra em meio à pandemia, Ranolfo acredita que isso não tenha sido o grande motivador dos crimes, uma vez que os meses de janeiro e fevereiro já vinham registrando aumento considerável de mortes de mulheres no Rio Grande do Sul, seguidos por estabilização em março. Em janeiro de 2020, foram 10 mulheres assassinadas contra três no primeiro mês de 2019. Já em fevereiro foram cinco mortes, contra uma no segundo mês do ano passado.
— Já vínhamos tendo crescimento considerável. Seguimos buscando explicação. Temos feito inúmeras ações, buscando autoria, representando pela prisão e recolhendo para o sistema prisional.
Fazer o registro da ocorrência é fundamental. Além da mulher, parentes, amigos, vizinhos precisam trazer isso ao conhecimento das autoridades. Se o Estado não tem conhecimento dessa agressão, fica muito difícil agir. É muito difícil imaginar, embora não seja impossível, que na primeira agressão o companheiro já vá cometer o feminicídio. Isso é algo que acontece ao longo do tempo.
RANOLFO VIERA JUNIOR
Vice-governador do RS
Dados do setor de inteligência da Polícia Civil apontam que nenhuma das dez vítimas do mês de abril tinha registro de ocorrência ou medida protetiva contra o agressor. O vice-governador reforça a necessidade de conscientização quanto à denúncia de violência doméstica:
— Fazer o registro da ocorrência é fundamental. Além da mulher, parentes, amigos, vizinhos precisam trazer isso ao conhecimento das autoridades. Se o Estado não tem conhecimento dessa agressão, fica muito difícil agir. É muito difícil imaginar, embora não seja impossível, que na primeira agressão o companheiro já vá cometer o feminicídio. Isso é algo que acontece ao longo do tempo. Vem numa linha ascendente. A conscientização do agressor também é fundamental, pois 99% destes crimes já nascem com a autoria esclarecida. Se o homem cometer esse delito, será descoberto e preso.
Pesquisador avalia que isolamento é motivador
À frente de uma pesquisa sobre violência doméstica que ouve mulheres em sete capitais, incluindo Porto Alegre, o professor a Universidade Federal do Ceará (UFC) José Raimundo Carvalho acredita que o cenário imposto às famílias pelo distanciamento social contribui para que os feminicídios aumentem, especialmente entre vítimas mais jovens:
— Você coloca uma família isolada, o papel de cada um aumenta, coloca o homem para ajudar as tarefas da casa. São vários componentes que aumentam a violência. Já é um crime difícil de combater, agora que está todo mundo isolado, é pior. O comportamento do homem em isolamento é mais arredio, ele não aguenta ficar em casa. A mulher está tendo de aguentar todo estresse doméstico, do cara, todos sem dinheiro, fechados em casa, sem poder sair. O cenário atual só contribui. A mulher está muito mais vulnerável — avalia o pesquisador.
Na contramão do feminicídio, os demais indicadores de violência contra a mulher têm redução em abril. As ameaças passaram de 3.085 em 2019 para 2.026 no último mês (-34,3%), as lesões corporais caíram de 1.719 para 1.259 (-26,8%), os estupros diminuíram de 107 para 78 (-27,1%) e as tentativas de feminicídios reduziram de 37 para 18 (-51,4%).
Já é um crime difícil de combater, agora que está todo mundo isolado, é pior. O comportamento do homem em isolamento é mais arredio, ele não aguenta ficar em casa. A mulher está tendo de aguentar todo stress doméstico, do cara, todos sem dinheiro, fechados em casa, sem poder sair. O cenário atual só contribui. A mulher está muito mais vulnerável.
JOSÉ RAIMUNDO CARVALHO
Professor a Universidade Federal do Ceará (UFC)
Desde o início do distanciamento social, a Polícia Civil tem ampliado o uso dos canais digitais para denúncias de violência doméstica. Na Delegacia Online, desde o início da pandemia, todas as formas de violência contra A mulher podem ser registradas. Pelo número de WhatsApp 9-8444-0606 é possível também enviar vídeos, áudios e mensagens de texto não só por parte das vítimas, mas de familiares e vizinhos. O contato funciona 24 horas por dia e é respondido por um policial.
— Não é como o 190, para chamar viatura, mas esse canal tem sido muito utilizado porque traz provas que podemos investigar e usar no inquérito. E não depende só da denúncia da vítima. Todo mundo tem de denunciar, é o único caminho para frear este indicador — afirma a chefe de polícia, Nadine Anflor.
Atenta a esse cenário, a UniRitter disponibiliza o Sajuir, escritório modelo de Direito da Universidade, para prestar auxílio às vítimas de violência doméstica. O escritório criou um fluxo de atendimento com uma rede de proteção completa às mulheres. Toda o amparo é realizado de forma remota, pelo WhatsApp (51) 98025-3776. Ao acionar o Sajuir, uma atendente mulher faz o primeiro acolhimento, prestando atenção e identificando as necessidades da vítima. Após, vem a fase de orientações pertinentes a cada caso. O Sajuir também concede suporte em questões relacionadas ao Direito da Família e ao Direito do Consumidor, nas quais se verificam demandas relacionadas à alimentação, guarda dos filhos, questões contratuais de moradia, acesso à saúde e auxílio emergencial, por exemplo.
Homicídios aumentaram mesmo com pandemia
Se as medidas de isolamento tiveram influência em indicadores de crimes patrimoniais, o mesmo não se verificou em relação aos homicídios. Abril terminou com 158 vítimas, seis a mais do que as 152 do mesmo período do ano passado. Aumento de 3,9%. O vice-governador acredita que os conflitos após a soltura de lideranças criminosas, devido à recomendação Conselho Nacional de Justiça como forma de prevenir a propagação do coronavírus no sistema prisional, têm relação direta com o crescimento de assassinatos em território gaúcho.
Do total de mortes violentas registradas, 22 foram de detentos que tiveram liberdade concedida pelo Judiciário acabaram virando vítimas de homicídio. Isso representa 13,9% dos assassinatos no Estado em abril. No mesmo período de 2019, foram oito assassinatos de presos que tiveram liberdade concedida.
Dados da SSP mostram que nos meses de março e abril, 11.677 detentos foram beneficiados com concessões de liberdade. No ano passado, foram 6.966 presos beneficiados em igual período.
— Não tenho dúvida que isso, mais o enxugamento do mercado do tráfico, acabou impactando neste indicador. Não vou fazer discussão se o Judiciário deveria soltar ou não. Estou trazendo um dado objetivo — frisa Ranolfo.
O latrocínio, roubo com morte, manteve-se estável em abril. Foram oito casos no Rio Grande do Sul, mesmo número do período anterior. O coronel Mohr diz que a BM trabalha em um diagnóstico para identificar o que motiva o crime no Estado:
— Em anos anteriores, o que causava mais latrocínio era o roubo de veículo. Fizemos um trabalho em cima disso e reduzimos muito. Ano passado, era o roubo de celular. Agora estamos estudando o que motiva esse crime neste ano. No Interior, é o roubo à residência que provoca latrocínio. Estamos estudando para ver o que se rouba e onde foi. Com dado qualificado, é possível atuar de forma mais eficiente.