Pesquisa sobre violência doméstica que já ouviu 10 mil mulheres em nove capitais do Nordeste está sendo aplicada em Porto Alegre desde a última semana. O levantamento é feito pela Universidade Federal do Ceará (UFC) com apoio pedagógico do Instituto Maria da Penha. Ao longo de um mês, 35 entrevistadoras irão conversar com 1.280 mulheres de 15 a 59 anos da Capital. O trabalho tem permitido levantar informações que comprovam, ou não, teorias sobre a agressão e apurar dados que podem servir de base para criação de políticas públicas.
A pesquisa está sendo executada simultaneamente em Porto Alegre, Fortaleza, Recife, Salvador, Goiânia, São Paulo e Belém e é financiada com recursos do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. As mulheres que irão aplicar as perguntas receberam 40 horas de treinamento, em auditório da reitoria da UFRGS. Com a preparação, o objetivo é ampliar o horizonte das entrevistadoras e trazer um pouco do contexto social que poderão encontrar em campo.
As entrevistadoras selecionadas são acadêmicas, graduadas ou estão cursando mestrado. Elas serão remuneradas por entrevista e receberão ajuda de custo.
— Vamos mensurar níveis de violência. A entrevistadora deve estar preparada para conhecer as diferentes definições de violência, como reagir e qual conduta ter caso presencie alguma cena violenta — explica o coordenador da pesquisa e professor da UFC José Raimundo Carvalho.
Segundo o pesquisador, a escolha pelo Rio Grande do Sul entre os três Estados da Região Sul se deu pela “fama de os homens daqui serem machistas”.
— Não queremos tomar partido, mas viemos investigar. Como cientista preciso comprovar. E é o que vamos fazer — explica.
Outra particularidade do estudo, feito nas capitais do Nordeste desde 2016, é que revisita mulheres já ouvidas: as entrevistadas em 2016 foram novamente procuradas em 2017. Segundo o professor, o objetivo é acompanhar o que vai acontecendo ao longo do tempo.
— É importante saber se ainda está trabalhando, se arrumou emprego, se o marido abandonou a casa, se o número de filhos aumentou. A ideia é acompanhar a trajetória. Essa é uma metodologia que permite descobrir os fatores que influenciam na violência doméstica ao longo do tempo — explica.
Coordenadora de pesquisa do DataInfo, empresa contratada para aplicar o questionário, Eurídice Grazielle de Vasconcelos Braz explica que as entrevistadoras serão orientadas sobre como agir caso as mulheres relatem episódios específicos de violência.
— É mais fácil contar para quem não te conhece e não vai te julgar. De certo modo, essas mulheres são carentes de atenção e querem que alguém que as ouça — conta.
À frente dos primeiros dois dias de treinamento, a doutora em história social e representante do Instituto Maria da Penha, Raquel Caminha Rocha, tratou sobre violência de gênero, diversidade e conceitos de opressão:
— Objetivo é sensibilizar as entrevistadoras para as perguntas que estão no questionário. Colocar mulheres a campo sem oferecer esse treinamento seria um contrassenso.
Entre as entrevistadoras, o clima é de expectativa pelas realidades que irão encontrar. Formada em Biomedicina, Jennifer Marchioro, 27 anos, acredita que a pesquisa científica oportunizará a criação de políticas públicas específicas para os gargalos que forem identificados. A psicóloga Elaine Noal, 54 anos, conta que já no primeiro dia de treinamento se deu conta de um universo que a pesquisa poderá lhe abrir:
— É uma oportunidade de expandir conhecimento e entender como ocorre a violência.
Como funciona
Perguntas
Os questionários têm duração de 40 minutos a uma hora e meia, variando de acordo com o perfil da mulher. Jovens sem parceiro respondem perguntas diferentes de mulheres casadas e com filhos. As questões buscam identificar as cinco formas de violência previstas na Lei Maria da Penha: física, sexual, psicológica, econômica e moral.
Entrevistadoras
Estão identificadas com crachá e colete azul. Ao fazer a abordagem, dizem ser pesquisadoras da UFC e da UFRGS que estão fazendo estudo sobre saúde da mulher.
Autorização
O questionário começa após consentimento por escrito da entrevistada. Um dos critérios é de que a entrevista só ocorra quando a mulher estiver a sós com a entrevistadora ou, no máximo, em companhia de criança de até dois anos.