Chantagem, xingamentos, isolamento dos amigos e da família, ou até mesmo empurrão. São formas de violência doméstica previstas na Lei Maria da Penha, mas muitas vezes não identificadas por quem sofre com elas. Fazer com que a própria mulher se perceba vítima é um dos desafios no enfrentamento a este tipo de crime. Para incentivar mais mulheres a quebrarem o silêncio, será lançada nesta sexta-feira (24) a cartilha Todas e Todos Pelo Fim da Violência Contra a Mulher. O diferencial da iniciativa do Ministério Público (MP) do Rio Grande do Sul é o foco digital.
— Cartilhas impressas são importantes, mas se limitam à capacidade de distribuição. Aquilo que é virtual viraliza e pode alcançar pessoas que nem imaginamos.
Lendo a cartilha, uma vítima pode começar a refletir sobre seu relacionamento. Ou alguém pode identificar o relacionamento de uma amiga e conversar com ela — explica a promotora Ivana Battaglin, da Promotoria de Justiça Especializada de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Porto Alegre.
Com textos curtos e imagens positivas (sem retratar cenas de violência), a intenção é de que esse material seja compartilhado pelas redes sociais e aplicativos, como WhatsApp.
Traz informações como tipos de violência doméstica, onde a mulher pode pedir ajuda, o que está previsto na Lei Maria da Penha e como se dá o ciclo da violência (entenda ao lado).
— Conhecimento é poder. Precisamos dar conhecimento não só às vítimas, mas à população em geral. Até pouco tempo, a violência doméstica era algo do âmbito privado. Hoje, por força de lei, é assunto da sociedade. É um problema de todos nós, que gera consequências. Os filhos dessa violência serão violentos, não só com as companheiras, mas com a sociedade. Essas mulheres vão lotar o serviço de saúde, com outras doenças. Elas também terão problemas no trabalho. A gente precisa falar sobre isso. A gente tem de meter a colher — defende Ivana.
A cartilha vai ser lançada oficialmente em seminário que ocorre hoje, no auditório da sede do MP na Capital, para debater a violência doméstica. Considerado especialista na área, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogerio Schiett Cruz fará a abertura do evento "Diálogos sobre a Lei Maria da Penha", voltado para profissionais que atuam nestes casos.
Para o procurador-geral do MP, Fabiano Dallazen, tanto o seminário como o lançamento da cartilha são sinais de que o combate à violência contra a mulher é prioridade:
— Tanto no plano da repressão criminal, no ataque aos crimes que já ocorreram, como na prevenção. Os índices ainda são muito graves. Como em qualquer crime, não temos esperança de erradicar completamente, mas tentamos reduzir.
Segundo Dallazen, o MP tenta implantar oito promotorias especializadas no Interior: Canoas, Novo Hamburgo, Rio Grande, São Leopoldo, Caxias do Sul, Passo Fundo, Pelotas e Santa Maria. O projeto está em análise na Assembleia Legislativa.
— No momento em que há uma promotoria especializada, a dimensão de atuação especialmente no aspecto da prevenção é outro.
Projeto facilita comunicação
As 500 mulheres atendidas pelo projeto “Fale com Elas” estão entre as primeiras que receberão a cartilha. A iniciativa teve início de forma experimental em maio, na Capital. Em casos de ameaça, nos quais a vítima precisa ser consultada se pretende dar sequência ao processo, o contato do MP com as mulheres passou a ser feito por WhatsApp. O projeto tenta evitar a revitimização e que o processo se torne um problema para a mulher, que muitas vezes não quer mais seguir com a ação.
— A mulher vai na delegacia depois da explosão. Quando é chamada de novo, o ciclo da violência já andou e ela fez as pazes ou terminou. Nesse momento, o processo se torna estorvo. A gente precisa saber o que ela deseja. Muitas vezes, são mulheres pobres que vão ter de perder dia de trabalho, gastar com passagem – explica Ivana, que implantou o projeto.
Com a troca de mensagens, a mulher passa a decidir, sem sair de casa, se quer ou não seguir com o processo em casos de ameaça. Quando opta por dar continuidade, o contato facilita o envio de provas, como áudios das ameaças e prints de conversas. O projeto está sendo institucionalizado pelo MP e deverá ser implantado em outras promotorias.
O que diz a cartilha
Conheça o ciclo da violência
LUA DE MEL
Período de calmaria, no qual a vítima percebe uma mudança de atitude e acredita que a situação está superada, desistindo da separação.
RECONCILIAÇÃO
O agressor pede desculpas, demonstrando remorso e buscando justificar sua conduta, às vezes, fazendo chantagens emocionais.
TENSÃO
O comportamento do agressor se torna cada vez mais instável. A duração desse período varia bastante: pode ser de minutos ou de anos.
EXPLOSÃO
É a fase aguda,na qual a tensão acumulada na etapa anterior se materializa em violência.
Formas de violência
FÍSICA
Podem ser empurrões, tapas, socos, arremesso de objetos, sacudidas ou beliscões.
PSICOLÓGICA
São ameaças, manipulação, insultos, humilhação, isolamento, chantagem, vigilância constante e divulgação de imagens íntimas.
PATRIMONIAL
Furto, extorsão, dano, privação do acesso a recursos econômicos, destruição de documentos e recusa em pagar a pensão alimentícia.
SEXUAL
Obrigar a se envolver em atos sexuais que causaem desconforto ou repulsa, impedir o uso de métodos contraceptivos, forçar a abortar, obrigar a casar, gravidez ou prostituição por meio de coação, chantagem, suborno ou manipulação.