A cearense Maria da Penha Maia Fernandes, 74 anos, virou símbolo nacional do combate à violência contra mulher após lutar ao longo de 19 anos pela condenação do seu agressor e ter seu nome batizando a lei para proteger as vítimas. Em 1983, o marido tentou matá-la duas vezes. Primeiro, levou um tiro nas costas enquanto dormia. O crime a deixou paraplégica. Depois, tentou eletrocutá-la — ele foi condenado e preso 19 anos e seis meses após a agressão, ficou em prisão fechada por dois anos e atualmente está solto.
Desde 2009, ela está à frente do Instituto Maria da Penha, com sede em Fortaleza. Nesta semana, Maria da Penha estará em Porto Alegre para participar de três eventos que discutirão desafios e perspectivas de proteção à mulher. O primeiro ocorre nesta terça-feira (15), na Faculdade de Educação da UFRGS. Na quarta-feira (16), fará parte de painel promovido pela ONG Themis, Gênero, Justiça e Direitos Humanos ao lado do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher no Brasil (Cladem). Ainda na quarta, estará no Seminário Estadual das Patrulhas Maria da Penha, da Brigada Militar.
Em entrevista a GaúchaZH, ela avaliou as mudanças provocadas após 13 anos de validação da lei e elencou barreiras que precisam ser enfrentadas tanto no fortalecimento de políticas públicas quanto na necessidade de mais celeridade para proteger a vida das vítimas.
A lei que leva seu nome completou 13 anos. Quais mudanças a senhora observa após a legislação?
A cultura machista sempre esteve presente na sociedade, mas agora a gente observa que se tem maior entendimento sobre isso. O nosso trabalho, a criação da lei e seus efeitos têm refletido em um entendimento que a violência é uma questão cultural. Percebia uma resistência muito grande do poder público para criar essa lei e, depois, demorou oito anos para que todas as capitais brasileiras implementassem políticas públicas para atender aos seus requisitos.
Na época em que escreveu o livro Sobrevivi... posso contar (1994), após o primeiro julgamento do seu agressor, quando ele saiu em liberdade da audiência, a senhora afirmou que se sentia órfã do Estado, já que a Justiça não havia o condenado naquele momento. Hoje as mulheres seguem órfãs de justiça?
Ainda seguem. O que a gente tem percebido é que há uma demora muito grande na finalização do processo. É uma morosidade. Os processos precisam ser mais ágeis para que as providências sejam tomadas mais rapidamente. Isso é para garantir a vida da mulher. No momento em que são agredidas, as vítimas estão muito fragilizadas, precisam da agilidade do poder público e da Justiça.
Existe um ciclo da violência que cerca a mulher. Quais os sinais que ela deve perceber?
Como muitas não têm acesso à informação segura, exatamente pela falta de políticas públicas, podem sofrer violência psicológica e nem se dar conta. Muitas só entendem que violência é a física, aquela que deixa marcas no corpo. É o acesso à informação que faz as vítimas identificarem a agressão.
A vítima precisa de celeridade e muitas vezes não encontra condição de sair da situação de violência.
MARIA DA PENHA
Na sua avaliação, qual o ponto mais sensível das políticas de defesa da mulher?
Às vezes, o centro de referência não funciona como deveria, a delegacia da mulher não abre finais de semana. O juiz entrega a medida protetiva com falta de rapidez. Ou é a casa de abrigo que não está aparelhada. A gente tem visto esse tipo de falha. A vítima precisa de celeridade e muitas vezes não encontra condição de sair da situação de violência.
Muitas mulheres têm vergonha da violência que sofrem e isso é um dos fatores que impedem a denúncia. Isso mudou?
À medida em que a mulher se torna mais esclarecida, sim. Ela tem buscado ajuda e denunciado. Mas isso acontece apenas no momento que toma conhecimento do que é violência doméstica.
Como combater o assassinato de mulheres no Brasil? Começa já na educação dos meninos?
Sim. Essa educação de respeito à mulher, que meninos e meninas são iguais perante a lei, deve ser ensinada em sala de aula, já no Ensino Fundamental.
O Rio Grande do Sul teve 73 mulheres mortas esse ano. Que avaliação faz desses números?
A morte de qualquer mulher merece ser analisada e o motivo do seu assassinado deve ser observado. É lamentável que foram 73 mulheres, a maioria delas deixam filhos na orfandade.
O governo federal tem proposto facilidade para o acesso a arma de fogo. Isso ameaça à segurança das mulheres? Como a senhora vê esse movimento?
Quando o homem quer assassinar sua mulher, procura vários meios. A arma de fogo vai dar mais poder a esse homem. Ele pode assassinar sua mulher a distância. É uma facilidade a mais para o crime. Acho a medida reprovável. Nossa sociedade está violenta e isso precisa ser repensado. Muitas vezes, a mulher nem sabe que o marido tem arma em casa.
As mulheres estão mais unidas contra episódios de machismo e assédio. O movimento feminista ganhou força nos últimos anos. Mas o número de feminicídios no país segue crescendo: o Atlas da Violência 2019 aponta que o número de mortes violentas intencionais de mulheres no ambiente doméstico cresceu 17% entre 2012 e 2017. O que está acontecendo?
Em muitos casos, a lei demora muito para funcionar. Em determinadas cidades, o número de feminicídios está relacionado ao o aumento das denúncias. Antes, não se dava tanta visibilidade a esse crime. Há dificuldades, principalmente, nos pequenos municípios. Nas cidades maiores, a implementação da lei acontece. Mas a grande maioria dos municípios não possui política pública para que a mulher possa denunciar e buscar seus direitos. Temos de focar nisso. Por menor que o município seja, deve ter um centro de referência dentro do hospital ou do posto de saúde para que as mulheres possam se inteirar sobre seus direitos.
Serviço
O quê – Seminário Violência de Gênero Contra Mulher
Quando – Quarta-feira (16), às 19h
Onde – Auditório teatro do Foro Central Prédio II, Rua Manoelito de Ornellas, 50, Praia de Belas, Porto Alegre.
Quanto – Entrada gratuita