Um mundo em que meu filho não sofra perseguição da polícia por ser preto. Um futuro em que meu filho possa usar capuz no frio ou correr na calçada sem ter medo das pessoas atravessarem a rua por julgá-lo perigoso. Um lugar onde ele não seja seguido pelo segurança em uma loja pelo simples fato de ter nascido com a sua cor de pele.
Donna convidou cinco mães de crianças negras a revelarem o que desejam para seus filhos quando estes crescerem, e o resumo é o seguinte: uma vida sem as marcas do racismo. Impactadas pelos movimentos antirracistas ao redor do mundo após a morte de George Floyd – vítima da violência de um policial branco nos Estados Unidos –, elas contam que ainda acreditam em um mundo mais igualitário. Mas há muito trabalho pela frente para que o futuro reserve uma sociedade diferente.
– Tenho esperança de que as crianças que estamos educando e criando hoje vão conseguir viver neste mundo porque elas vão mudar este mundo. Isso me faz ter força para continuar lutando – diz Lydia Goes, mãe de Theo, de quatro anos.
Leia abaixo os depoimentos:
Karen da Rosa Kern, assistente comercial em uma multinacional
Mãe de Luis Felipe, 16 anos, Miguel, 10 anos, e Arthur, oito anos
"Espero que eles cresçam com mais igualdade racial e social. Que possam andar tranquilamente na rua, sem se preocupar com uma abordagem policial. Que não precisem se preocupar se, caso estejam com algum amigo branco junto, possam se tornar o alvo da polícia.
Que eles possam ter a casa e o carro deles, sem ficar com medo da polícia questionar quem é o dono daquele bem. Que eles possam ter um emprego digno, uma profissão, sem se preocupar que não poderão ocupar aquele lugar por serem negros. Que eles não precisem se preocupar com a cor da pele perante sua profissão ou o Estado.
Eu ainda pretendo cursar Psicologia para trabalhar na área empresarial, por exemplo. Sabe a primeira coisa que eu ouvi? 'Tu já viu uma preta fazer esse tipo de coisa, entrevistar pessoas nessa área?'. Não é porque um preto não está naquela profissão que eles não vão poder ser aquilo: é isso que tento passar para eles".
Márcia Gonçalves Madruga, analista técnica
Mãe de Maurício Gonçalves Silva, 10 anos
"Uma das coisas das quais me orgulho é poder dar para ele a qualidade de vida que eu não tive. Mas me entristece o fato de não poder garantir a segurança dele. Dói ter que dizer para um menino de 10 anos que ele precisa sair na rua sempre com documentos, não pode correr na rua, não pode andar com capuz levantado e não pode fazer movimentos bruscos.
Espero que tudo o que estamos passando agora traga reflexos positivos no futuro. Que ele não precise mais se preocupar com essas orientações, e que seja reconhecido e conceituado pela educação que eu dei. E não pela cor da pele".
Lydia Goes, criadora de conteúdo digital (@lydiagoess) e modelo
Mãe de Theo, quatro anos
"Desejo de que o meu filho não passe por coisas que já passei e que já vivi. Desejo que ele nunca seja mal interpretado ou mal visto. Que a característica principal dele, a cor da pele e os traços de criança negra, não façam com que ele passe por algo ruim. Que não seja isso a primeira coisa que as pessoas enxerguem nele. Acredito que não só eu, mas todas as mães de crianças negras desejam que a cor da pele não seja mais algo que seja visto primeiro e que tenha tanto significado - no caso, um significado ruim.
Quero que meu filho consiga ser e fazer o que ele quiser sem essa barreira do racismo. Tenho esperança de que as crianças que estamos educando e criando hoje vão conseguir viver neste mundo porque elas vão mudar este mundo. Isso me faz ter força para continuar lutando.
Desejo que meu filho e todas as crianças negras, quando chegarem lá na frente, não tenham passado por nenhum impedimento por serem negros. Que isso não impeça eles de serem algo ou de chegarem em lugar algum, pois é uma das coisas que mais enfrentamos.
Não quero um mundo com tanta violência e racismo como vemos hoje. Crianças e pessoas morrendo única e exclusivamente por serem negras".
Clarissa Barreto, 40 anos, publicitária
Mãe de Rafael, seis anos
"Não desejo nada de especial para o meu filho negro, nada que não desejaria para um filho branco. Espero apenas que ele tenha uma vida plena de significado e propósito. Que ele seja um cara legal, gentil, doce e preocupado em construir um mundo melhor. E que se importe com as pessoas.
O problema é que isso não depende só de mim. Ele pode ser parado pela polícia sem motivo. Ele pode ser seguido por um segurança numa loja. Você pode segurar firme sua bolsa se ele passar por você na rua. Ele pode ser morto, já que os jovens homens negros são as maiores vítimas de violência no Brasil. E eu, como branca, sequer consigo sentir na pele o que isso significa para explicar para o meu filho.
Então, eu direciono meu desejo mesmo, de verdade, é para o seu filho branco. Espero que você o eduque para o fim do racismo. Que você viva a diversidade para além da página 1 do manual. Faça com que ele conviva com pessoas negras – não apenas em relações subalternas, mas de igualdade. Não perpetue o racismo em piadas e em atitudes. Aí, quem sabe, nenhuma mãe precise desejar apenas que o seu filho fique vivo".
Aline Barbosa, influenciadora digital (@maecrespa)
Mãe de Laura, 11 anos, Vicente, de seis, Joaquim, quatro, e Antônia, um ano
"Sendo mãe de quatro crianças negras, tenho muitos receios, e nos últimos dias isso só aumentou. Mas eu luto todos os dias para que eles tenham um futuro diferente dos dias de hoje!
Meu maior desejo é que eles possam viver em uma sociedade que não vá julgá-los pela cor da sua pele ou pela forma do seu cabelo. Que, em qualquer lugar que estiverem, não sejam tratados com diferença. E o principal é que eles possam se ver e se sentir representados em todos lugares".