Em pouco mais de seis minutos, o filme Amor pelo Cabelo (Hair Love), vencedor do Oscar 2020 de melhor curta-metragem, compartilha uma série de mensagens. De um jeito leve e criativo, a produção do diretor Matthew A. Cherry fala sobre autoestima e família a partir da história de um pai que precisa aprender a arrumar o cabelo da filha – e, de uma maneira atrapalhada, os dois criam uma linda cumplicidade.
O filme está disponível gratuitamente no YouTube e, logo depois da premiação, no último domingo (9), levantou um debate sobre representatividade do cabelo afro.
A convite de Donna, três mulheres contam como foram construídas suas próprias relações de amor com os seus fios crespos:
"Arrumar o cabelo é um ato de carinho e dedicação"
Nasci com o cabelo enroladinho e usei muitos penteados na infância. Mas sempre tive muito volume, o que fez minha mãe optar por usar química desde cedo. Mesmo fazendo relaxamentos, eu ainda abusava de tranças, coques e outros penteados. Essa memória me ligou muito com a animação Hair Love: o cabelo volumoso, o que fazer para deixá-lo “mais arrumado”, porque cabelo com volume era considerado feio e desleixado. Mas minha relação com meu cabelo se fortaleceu no início da vida adulta, quando entendi minha identidade e quis fugir das chapinhas que me acompanharam na adolescência.
Entendo o quão trabalhoso pode ser um cabelo crespo em crianças, até porque nem todas têm paciência para pentear. Dói, incomoda e leva bastante tempo. Mas talvez dedicar esse tempo seja mais do que simplesmente arrumar o cabelo. É um ato de carinho e dedicação, para que a criança entenda que aquilo não é um defeito, mas uma característica linda.
Ainda bem que, hoje em dia, temos várias referências ao nosso redor para entender a beleza que é uma menina negra de cabelo afro.
Duda Buchmann (@negraecrespa), influenciadora e colunista de Donna
" Teve mulher preta formada com cabelo crespo, sim"
Na adolescência, compreendi que o processo de aceitação do cabelo sempre foi um tabu para mulheres negras. Tabu imposto por uma sociedade que tem em suas raízes históricas a construção do racismo. Internalizamos em nossas mentes que não somos bonitas e que nossas características, como ter cabelo crespo, não têm nenhum significado positivo. Essa busca incansável pela aprovação social faz com que um sentimento de auto-ódio seja criado. Afinal, esse reconhecimento pela aprovação causa angústia e sofrimento. Por esse motivo, é importante pensar em estratégias benéficas para a população negra para que traumas (como o de não aceitar seus traços) que o racismo estrutural ocasionou sejam amenizados de forma positiva. Para que isso aconteça, é importante termos mais representatividade nos espaços e, através disso, recomeçarmos a reescrever a nossa história criando um novo significado para o processo de aceitação, uma identidade preta mais fortalecida. Quando obtive esse conhecimento da importância de representatividade, toda fase de adolescência até o processo de graduação em Psicologia, tudo foi se tornando menos difícil. Afinal, sabia que mesmo sendo, por inúmeras vezes, a única negra em sala de aula, ocupar esse espaço com o meu cabelo crespo iria estimular outras mulheres. Na conclusão da graduação, várias reflexões surgiram principalmente a de como seria a relação do meu cabelo com o barrete, fato que não era preocupação para minhas outras colegas que possuem cabelo liso. Para quem não sabe o que é barrete, é o chapéu quadrangular usado nas formaturas. É totalmente excludente, pois não acolhe todos os tipos de cabelos – e esse fato foi o que mais deixou preocupada. No final, tudo deu certo e usei o black bem alto, jamais apagaria algo que construí com tanto amor justamente no dia mais feliz da minha vida. Teve mulher preta formada com cabelo crespo, sim. Espero que várias outras mulheres negras também sintam-se acolhidas com essa história e que ela seja um motivo positivo de aprovação de si mesma.
Monique Machado (@moniimachado), psicóloga e ativista, coordenadora do projeto Afrorescer
"Até esqueço que um dia não gostei do meu cabelo"
Às vezes, até esqueço que um dia não gostei do meu cabelo. Passei pelo processo de transição capilar e reencontrei a beleza nele e em mim, me descobri. Hoje, sinto tanto orgulho e vejo meu cabelo como uma parte tão linda minha que o período em que eu vivia com ele preso, ou o reprimia, parece pequeninho perto do amor que sinto por ele agora. Aos poucos fui descobrindo que meu cabelo é, sim, lindo e que só eu posso dizer como gosto ou não dele. Descobri a beleza dele solto, com volume, com frizz, com ou sem definição. Encontrei mulheres que tinham orgulho do seu cabelo e me vi nelas. Infelizmente, fui ter essa referência só quando adulta, mas hoje fico feliz em saber que meninas podem crescer já descobrindo a sua real beleza. A representatividade que a cada dia conquistamos mais contribuem para que as crianças não passem pelos receios e as imposições que sofri na minha infância e adolescência.
Pâmela Machado (@umacrespa), influenciadora e publicitária