A 63º Feira do Livro de Porto Alegre teve debates interrompidos por questões de segurança, contratempos com a Prefeitura e queda nas vendas. Nem por isso, Marco Cena Lopes, presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL), entidade que organiza o evento, perde o otimismo em relação à celebração literária a céu aberto:
– A Feira atraiu mais uma vez público para a Praça da Alfândega, reafirmando seu papel de aproximar a população dos livros e da leitura. O objetivo foi atingido.
Em entrevista a ZH, o presidente fez um balanço dos 19 dias de Feira do Livro.
Conservação da praça
Duas queixas em relação à administração pública de Porto Alegre marcaram a Feira do Livro de 2017. A primeira foi em relação às condições da Praça da Alfândega. Segundo a CRL, a capina não estava em dia e o pavimento de pedras portuguesas estava solto em diferentes trechos das alamedas. Além disso, o recolhimento de lixo não estava sendo realizado como em anos anteriores. Para solucionar o problema, a CRL contratou uma empresa terceirizada para limpar a área interna da praça.
– O que me aborreceu foi o estado da praça. Isso não pode mais acontecer. É um desrespeito com o povo de Porto Alegre e com a Câmara Rio-Grandense do Livro, que faz um esforço tremendo para colocar a Feira na Praça da Alfândega.
Mais uma tensão com a prefeitura envolveu o programa Adote um Escritor. Há 15 anos, em parceria da Secretaria Municipal de Educação (Smed) e a CRL, o programa seleciona obras recém-lançadas para aquisição e trabalho em salas de aula. As atividades previam visitas dos autores às escolas e à Feira do Livro. Para Marco Cena Lopes, com a redução no valor dos repasses da Smed para a compra de livros pelas escolas, o Adote um Escritor ficou prejudicado:
- O corte prejudicou o projeto em sua raiz. Além disso, o dinheiro repassado para as escolas neste ano foi muito menor. Muitos grupos de alunos que iriam à Praça tiveram que suspender a visita por falta de verba.
Polêmicas
A 63ª Feira do Livro ficou marcada por momentos de tensão. O primeiro deles foi na abertura do evento, quando o CPERS-Sindicato fez um protesto ao lado do Teatro Carlos Urbim, local da solenidade. Com palavras de ordem contra o governo do Estado e sinos, mal dava para ouvir as apresentadoras do evento.
– Achei a postura dos manifestantes desrespeitosa e oportunista. Naquele momento, quase pensei em encerrar a solenidade, mas o grupo se dispersou instantes depois. Minha bandeira também é pela educação e pela leitura, mas justamente quando a gente consegue realizar algo em nome disso, um grupo ameaça estragar tudo - avaliou Marco Cena.
Mesas que debatiam identidade de gênero ou a cultura LGBT também geraram estremecimentos. Logo nos primeiros dias de Feira, o Sarau Feminista, da ONG Cirandar em parceria com o Ponto de Cultura Feminista, precisou ser encerrado por conta da presostura ostensiva de um dos participantes. O fato serviu de alerta para a organização, que reforçou a segurança em debates sobre o tema.
A mesa “Os livros fora do armário: a literatura orgulhosamente LGBT”, com os escritores Samir Machado de Machado e Natália Borges Polesso e a livreira Nanni Rios precisou ser transferida por motivo de segurança. Do Santander Cultural, foi direcionada para o Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, mas a organização do local também temeu pelo acervo e pela estrutura do local, segunda a CRL. Finalmente, o bate-papo ocorreu no Teatro Carlos Urbim.
Queda nas vendas
Cerca de 1,4 milhão circularam pela Feira do Livro, segundo estimativa da Brigada Militar. Em relação às vendas, o balanço aponta queda de 14% em relação a 2016. É o segundo ano seguido em que uma queda como essa é registrada – na edição de 2016, foi 19% menor do que na de 2015.
– O que se vê nos últimos 10 anos é uma queda vertiginosa no número de leitores. Há bons formadores de leitura. Muitas crianças são impactadas, mas perdem o hábito de ler na adolescência. Nesse cenário, somado à crise econômica, dá quase para comemorar pela queda não ser maior.
Alguns livreiros reclamaram das chuvas, que desmobilizaram o público, mas muitos sentiram falta da presença de professores e estudantes nas bancas. Em 2015, o projeto Quintanares, com verba de leis de incentivo, havia repassado cartões para cerca de 4 mil crianças e adolescentes ligados a projetos de leitura, com o valor de R$ 30 cada, a serem gastos exclusivamente em livros no evento. No ano seguinte, o projeto teve o orçamento diminuído. Já em 2017, não pôde ser realizado por falta de verba.
- Se em anos anteriores a gente conseguiu verba para os alunos participarem da Feira também comprando livros, neste ano muitas vezes tivemos até dificuldade de levar turmas até a Praça. Tínhamos um número muito maior de patrocinadores que disponibilizavam ônibus para esse transporte há alguns anos. As escolas de periferia são dependentes disso. Da mesma forma, o projeto Adote um Escritor colaborava com a vinda de alunos pela Smed - conta Marco Cena.
Favoritos do público
A programação da Feira rendeu momentos de boa circulação de público na Praça da Alfândega. Entre os autores que mais atraíram leitores, estão a escritora paulista Monja Coen, que teve a sessão de autógrafos mais concorrida, em 11 de novembro, a mineira Conceição Evaristo e o moçambicano Mia Couto – os admiradores deste já faziam fila para retirar senhas 10 horas antes da palestra realizada no dia 13.
Outro encontro com senhas muito disputadas foi o que reuniu entre quatro renomados cronistas: Luis Fernando Verissimo, Antonio Prata, Gregorio Duvivier e Ricardo Araújo Pereira conversaram com o público no evento mediado pelo jornalista Roger Lerina. Verissimo também voltou a ser destaque na quinta-feira passada, com um bate-papo no Auditório Barbosa Lessa do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo. No encerramento da Feira, ontem, foi a vez do Nobel de Literatura nigeriano Wole Soyinka lotar o Theatro São Pedro com sua palestra.