Depois de ser transferido de local duas vezes "por questões de segurança", o debate Os livros fora do armário: a literatura orgulhosamente LGBT ocorreu na noite deste sábado (11), na Praça da Alfândega, como parte da programação da Feira do Livro de Porto Alegre. O tom político esteve presente nas falas dos escritores Natália Borges Polesso e Samir Machado de Machado muito mais pela temática do que pelo receio de o evento ser interrompido por protestos conservadores que têm marcado discussões relacionadas a gênero e sexualidade.
Após o início do debate, em que a mediadora Nanni Rios pontuou o fato de terem jogado o encontro "de um lado para o outro por um medo maluco", o que se seguiu foram as particularidades, as dificuldades e a qualidade da literatura gay e lésbica que têm sido produzida.
Natália falou sobre Amora, livro pelo qual foi vencedora do Prêmio Jabuti de 2016 na categoria Contos e Crônicas. Nas suas palavras, textos que não são "apenas para lésbicas", mas nos quais as personagens só fazem sentido a partir da temática.
— Minha preocupação era construir experiências da lesbianidade ao longo da vida — contou Natália, que, no papel de pesquisadora, mapeia escritoras lésbicas: — Se a história não nos ajuda, a geografia vai no visibilizando.
Samir é autor de Homens Elegantes, uma narrativa sobre a aventura de um soldado brasileiro que encontra um mundo de luxo e hedonismo na Londres do século 18. Apesar da ponderação de que adolescentes de hoje têm mais acessos a livros com a temática LGBT do que sua geração teve, o escritor ressaltou o momento "nebuloso":
— Temos 5 mil anos de história e tradição e sempre sofremos ataques. Agora, há um avanço da religiosidade radical tentando fazer o apagamento da nossa cultura. É o momento de assumir uma postura mais combativa, mas também de preservação da nossa história.
Inicialmente, o evento ocorreria no Santander Cultural, que tem um histórico recente de polêmicas envolvendo a temática. A Câmara Rio-Grandense do Livro transferiu o debate para o Auditório Barbosa Lessa do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, que, temendo danos ao edifício Força e Luz, suspendeu a realização no local. O debate acabou acontecendo no Teatro Carlos Urbim, instalado entre o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) e o Memorial do RS.
— Lutamos contra a ditadura e pelo Estado de Direito. Como alguém pensa que está no direito de dizer o que um adulto pode ver? Enquanto instituições, temos o dever de marcar posição pela liberdade. Não há felicidade sem diferença — disse a GaúchaZH o secretário municipal da Cultura, Luciano Alabarse.
As manifestações contra discussões sobre gênero e sexualidade estão longe de serem atos isolados. O Santander Cultural, em setembro, encerrou um mês antes do prazo a mostra Queermuseu — Cartografias da Diferença na Arte Brasileira devido a acusações de setores conservadores de que a exposição tinha conteúdo blasfemo, pornográfico e incitação à pedofilia — tanto o Ministério Público Estadual quanto o Federal avaliaram que não havia relação com pedofilia. Um advogado, no mesmo mês, tentou proibir a apresentação da peça de teatro O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, estrelada pela travesti Renata Carvalho, mas seu pedido foi negado pela Justiça.
Na última semana, a passagem de Judith Butler pelo Brasil gerou protestos e agressões à filósofa e escritora americana, uma das maiores autoridades em estudos sobre identidade de gênero. Na terça-feira, dezenas de manifestantes se reuniram em frente ao Sesc Pompeia, em São Paulo, onde um boneco com o rosto da autora foi queimado sob o argumento de que ela defende a "ideologia de gênero". Na manhã de sexta-feira, ela foi agredida verbalmente no aeroporto de Congonhas.