A Feira do Livro de Porto Alegre é marcada pela celebração a autores e livros, mas nem tudo segue em clima de festa nesta edição do evento. A tensão tem sobressaído em alguns encontros da Praça da Alfândega e até inviabilizou um debate. Quando o tema é feminismo e identidade de gênero, participantes de bate-papos da programação ficam suscetíveis a ataques pela internet e constrangimentos presenciais, principalmente — mas não apenas — de setores mais conservadores da sociedade.
O clima de insegurança e hostilidade cercou a produção do bate-papo Os Livros Fora do Armário: a literatura orgulhosamente LGBT, marcado para este sábado, às 18h, no Auditório Barbosa Lessa do CCCEV, com os escritores Natália Borges Polesso e Samir Machado de Machado e mediação da livreira Nanni Rios. A mediadora recebeu ataques de apoiadores da causa LGBT por meio das redes sociais. As queixas se referiam ao fato de que o encontro estava marcado em uma das salas do Santander Cultural, espaço que cancelou a mostra Queermuseu em setembro, após mobilização de boicote do MBL, que alegava "apologia à pedofilia" na exposição.
— Pensei até em abrir mão da mediação, mas deixei que a editora decidisse pela continuidade — conta Nanni Rios. — A gente já estava encarando a aleatoriedade que nos colocou dentro do Santander com ironia e íamos aproveitar pra trazer a questão à tona e falar da estranheza que isso nos causou.
O evento foi transferido para o CCCEV. Segundo os organizadores da Feira, a transferência não foi motivada pelos ataques, mas por questões de segurança. A equipe que faz a guarda dos bate-papos no Santander Cultural não é a mesma de outros espaços da Feira, o que levantou a preocupação do presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL), Marco Cena Lopes, entidade responsável pela Feira.
— Provavelmente o debate deste sábado tenha sido marcado antes do fechamento da Queermuseu. No início da Feira, tivemos alguns incidentes em mesas como essa, então repassei toda a programação para levantar possíveis casos parecidos para reforçar a segurança.
Marco Cena se refere a um episódio do dia 3 novembro, quando o Sarau Feminista, realizado no Memorial do RS pela ONG Cirandar e pelo Ponto de Cultura Feminista, foi encerrado antecipadamente por conta da presença de um homem que filmava o público presente sem autorização e criticava o encontro por "promover a ideologia de gênero" em um local público.
— Ele se sentou no meio das mulheres, começou a filmar e a falar bobagem. Nossa segurança o tirou de lá, e ele foi fazer Boletim de Ocorrência, alegando que foi agredido. A BM esteve aqui e entendeu que não foi isso que ocorreu — conta Marco Cena. — Se não houver uma segurança preparada para essas ocasiões, a questão pode se encaminhar para a violência.
Em 5 de novembro, um debate sobre ciberfeminismo também levantou preocupação da CRL, já que uma das participantes da mesa havia sofrido ameaças anteriormente por defender a inclusão de mulheres e transexuais no mercado de trabalho da informática. O debate ocorreu normalmente, mas com segurança reforçada.
Para Nanni Rios, que coordena o debate deste sábado, é importante não recuar diante das críticas e ameaças sofridas. No entanto, ela não pretende estender publicamente o debate sobre o tema, voltando o foco para o assunto inicial do encontro:
— Tudo que a gente queria era falar de literatura LGBT, mas teremos que falar também de política e de resistência. É claro que estes são temas correlatos, mas estamos frustrados de ter que abordar essa confusão. Vamos abrir a mesa com alguma menção rápida a isso, mas em seguida vamos falar de literatura LGBT. Na hora em que o debate for aberto, vamos preferir não responder às interferências sobre a confusão. Não queremos prolongar esse debate. Debater com o MBL não é construtivo, e a forma como certas pessoas gays de esquerda têm se colocado também não está sendo construtiva.