O mestre de cerimônias saudou a plateia avisando que aquela noite fria e chuvosa seria histórica. Para o pequeno grupo de leitores que consideram a crítica literária um gênero tão atraente quanto qualquer outro, era mesmo um acontecimento. Estavam ali, reunidos para um bate-papo, dois dos nomes mais influentes do circuito nova-iorquino das letras. De um lado, James Wood, crítico da New Yorker e autor do livro Como funciona a ficção. Do outro, Edwin Frank, diretor do braço editorial da New York Review of Books e criador da coleção NYRB Classics, selo especializado em salvar do oblívio livros e autores de diferentes partes do mundo (nosso São Bernardo, sorte deles, está lá).
A conversa era sobre Stranger Than Fiction — Lives of the Twentieth-Century Novel, livro que Edwin Frank passou os últimos 10 anos escrevendo. O projeto de contar a história do romance do século 20 soa mais ou menos como aquela piada do cara que pretendia escrever uma tese sobre “Deus e o mundo”, mas, aconselhado pelo orientador a ser um pouco mais específico, reduziu seu tema para “Deus e o mundo no século 19”. Era tão inabarcável seu objeto de estudo que Edwin Frank optou desde o início por escrever um ensaio assumidamente idiossincrático — guiado, sem culpa, pelos critérios que ele mesmo estabeleceu. Destacar romances que refletiram ou interpretaram a realidade da época em que foram escritos era um deles. Não menos importante eram as afinidades eletivas do próprio Frank como leitor.
Dos pouco mais de 30 títulos que o autor selecionou para montar sua constelação particular de livros e escritores essenciais para entender o romance do século 20, apenas três são óbvios: Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, Ulysses, de James Joyce, e A Montanha Mágica, de Thomas Mann. O ponto de partida é um livro do século 19, Memórias do Subsolo (1864), de Dostoiévski. Austerlitz (2001), de W. G. Sebald, assinala o ponto final da jornada. (Não tão rápido. Em um apêndice, Frank lista outros 90 romances para empilharmos em nossa cabeceira imaginária. Haja vida.)
Mas o que eu queria contar mesmo é que Dostoiévski não é o único autor nascido na primeira metade do século 19 chamado a compor a seleção dos grandes romancistas do século 20. O outro talvez esteja na sua cabeceira agora mesmo, ou nas vizinhanças, e você pode ir se acostumando a ensinar leitores estrangeiros a pronunciar seu nome corretamente: Joaquim Maria Machado de Assis.