O “intelectual bolsonarista” não existe. Ou melhor: existe, mas apenas como oxímoro, simpática figura de linguagem que torna possível a culpa inocente, a guerra pacífica e os mortos vivos. Um intelectual pode se inclinar para diversas posições dentro do espectro ideológico sem deixar de ser sério e independente, mas quando alguém se associa ao negacionismo, naturaliza a distorção mais grosseira dos fatos e costuma moldar sua opinião conforme o interesse de quem paga suas contas, já não se trata de um intelectual, mas de um camelô.
Ainda assim, nos últimos dias, me peguei pensando nos “intelectuais bolsonaristas” – mais ou menos como quem pensa na Emília (a boneca que nunca desligava sua torneirinha de asneiras) e no Visconde de Sabugosa (o sabugo de milho que parecia inteligente apenas porque usava cartola e falava difícil), mesmo sabendo que eles não existem fora do Sítio do Picapau Amarelo.
Lembrei daqueles que, inspirados por Olavo de Carvalho, gastavam seu latim de almanaque tecendo teorias mirabolantes sobre o ser e o nada que desembocavam em uma única e miraculosa solução para todos os problemas passados e futuros do Brasil: colocar no poder um sujeito de poucas luzes que gosta de trabalho tanto quanto eu gosto de aturar música sertaneja no táxi. Mas esses talvez sejam minoria. A maior parte dos “intelectuais bolsonaristas” estão ocupados fazendo aquele trabalho miudinho de dar nó nos fatos do dia para que eles se acomodem em uma versão um pouco mais limpinha da realidade, jogando água na fervura em momentos de maior gravidade, compondo raciocínios tão enviesados que até parecem profundos, comparando tomates com parafusos. Desses eu quase tenho dó (quase), porque dá trabalho afirmar que um elefante é um chihuahua sem perder a pose e o rebolado.
Também muito atuante, principalmente antes e durante o governo Bolsonaro, era o intelectual “não há nada a temer”. Essa espécie sabugosa de pensador especializou-se em tratar todas as preocupações com a saúde da nossa democracia como paranoia da oposição. “Bolsonaro quer dar um golpe!”, alertavam os observadores. “Capaz!”, respondia o sabe-tudo, tranquilão, quase bocejando.
O risco que o Brasil correu de virar uma republiqueta de filme do Woody Allen, sabemos agora, foi muito maior do que cogitava nossa paranoia. Mas é mais fácil Bolsonaro passar algumas noites na Papuda do que um tranquilão desses vir a público admitir que estava errado. Muito errado.