Em Novo Hamburgo, onde passei parte da infância, a Guerra Mucker era um assunto obrigatório na escola. O massacre dos membros de uma pequena comunidade religiosa de colonos, ocorrido há exatos 150 anos na região onde hoje é o município de Sapiranga, era — e é — um trauma mal resolvido na memória dos descendentes de imigrantes alemães.
Nos passeios ao Morro Ferrabraz com a escola, visitávamos a estátua do Coronel Genuíno Sampaio e aprendíamos que ele havia morrido como herói, combatendo os fanáticos que estavam tocando o terror na vizinhança, liderados por uma mulher chamada Jacobina Maurer. (Como tantos monumentos de personagens históricos reavaliados ao longo do tempo, Genuíno Sampaio recentemente andou perdendo a cabeça e a paz eterna de um golpe só. É dura a vida de estátua.)
Um romance, Videiras de Cristal (1990), de Luiz Antonio de Assis Brasil, e dois filmes, Os Mucker (1978), de Jorge Bodanzky e Wolf Gauer, e A Paixão de Jacobina (2002), de Fábio Barreto, ajudaram a tornar um pouco mais conhecida a revolta messiânica que aconteceu quase 20 anos antes de Canudos — mas que não teve, no calor dos acontecimentos, a sorte de contar com um Euclides da Cunha para contar sua história.
À vasta bibliografia sobre o assunto junta-se agora Jammerthal, o Vale da Lamentação: A Minha Guerra Mucker (Editora Oikos), do antropólogo João Biehl, professor da Universidade de Princeton e descendente de colonos alemães.
O livro não apenas situa historicamente o conflito, apoiado em farta pesquisa em arquivos de documentos, como apresenta um estudo etnográfico da região, ilustrado por imagens do fotógrafo dinamarquês Torben Eskerod. Para os leitores contemporâneos, soará familiar descobrir que boa parte do ódio que resultou na morte de 13 homens e quatro mulheres foi insuflada pela divulgação de “fake news” no jornal Deutsche Zeitung, editado por Karl von Koseritz — que pedia, sem economizar sangue na tinta, que os Mucker fossem eliminados o quanto antes, para honra e glória do cidadão de bem, urbano, de origem germânica.
João Biehl autografa Jammerthal nesta terça-feira (19), às 18h, na Feira do Livro de Porto Alegre. Antes, às 15h, no mezanino do Espaço Força e Luz, ocorre a abertura de uma exposição com curadoria de Marco Antonio Filho. Às 16h30min, também no Espaço Força e Luz, João Biehl conversa com Luís Augusto Fischer e comigo sobre o livro e a permanência da cicatriz Mucker na história do Rio Grande do Sul.