Luiz Antonio de Assis Brasil acredita tanto que é possível desenvolver-se escritor, deixando para trás a noção de que o bom autor é aquele que nasce com o dom da palavra, que não só fundou uma das mais célebres oficinas de criação literária como liderou a implementação da primeira pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) em Escrita Criativa do país, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre.
Em 2025, quando completa 50 anos de docência, o escritor e professor de 79 anos vai oficialmente se aposentar da universidade. Contudo, seguirá oferecendo a tradicional Oficina de Criação Literária, com previsão de nova turma no próximo ano, quando o curso chega a quatro décadas em atividade.
A última aula de Assis Brasil como docente da PUCRS foi conduzida no dia 27 de novembro. Em vez da sala tradicional, ele foi convidado a usar um auditório da universidade, para que mais pessoas pudessem prestigiá-lo. O tema, "O final do romance", focando os capítulos derradeiros de uma história, gerou sensação de estranha coincidência.
Houve resistência no início de sua trajetória de professor que ensina a escrever ficção. Docente do Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS desde 1975, ele criou, em 1985, a Oficina de Criação Literária, desde sempre oferecida como curso de extensão da universidade.
Foi ali que lapidou nomes relevantes da literatura contemporânea brasileira, como Leticia Wierszchowski, Carol Bensimon, Daniel Galera, Michel Laub, Paulo Scott e Luisa Geisler.
Iniciativa pioneira
Apesar do ceticismo sobre a possibilidade de ensinar técnicas para que uma pessoa desenvolva-se como ficcionista, suplantando a ideia cristalizada do talento nato, Assis Brasil insistiu.
Além da oficina, liderou, em 2012, a implementação da Escrita Criativa como área de concentração dentro da Pós-Graduação em Letras da PUCRS, até então dividida em Teoria da Literatura e Linguística. De forma pioneira no Brasil, a iniciativa passou a permitir que pessoas com licenciatura ou bacharelado façam mestrado e doutorado em Escrita Criativa, a exemplo de países como Estados Unidos, Austrália e Inglaterra.
— Não só as universidades, mas os próprios escritores mantêm reticências sobre a tarefa de ensinar a escrever. A pessoa não entra em uma escola de balé para aprender a dançar? Não realiza um curso de pintura para aprender a pintar? Se nas outras áreas é natural, por que não na literatura? Essa resistência me assustava um pouco na época, mas agora vejo com naturalidade. Sempre que há inovação, há resistência. Pensava-se na ideia do escritor iluminado como Balzac, e não no escritor que senta e trabalha com afinco — diz.
Vem de antes suas investidas para tirar a escrita literária do meio puramente artístico e levá-la para a academia. Um de seus mais prestigiados romances, Cães da Província (L&PM, 1987), agraciado em 1988 com o Prêmio Literário Nacional do Instituto Nacional do Livro, foi apresentado como tese no doutorado em Letras na PUCRS, outra iniciativa inovadora, que foge da tradicional pesquisa acadêmica.
O primeiro caso de que se tem notícia no Brasil de um romance literário ser aceito para obtenção do título de doutor é do escritor piauiense Esdras do Nascimento, com o livro Variante Gotemburgo (1977).
Velhice "não foi uma surpresa"
A decisão de abandonar a rotina diária de sala de aula chega antes da realização de um de seus mais ambiciosos projetos: presenciar a expansão do curso de Escrita Criativa para universidades de todo o Brasil. Na PUCRS, além do mestrado e do doutorado, foram criadas a graduação tecnóloga e a especialização lato sensu.
— Sempre que me perguntavam se eu não iria me aposentar, eu dizia algo bastante prepotente, que era: "Eu só vou me aposentar quando a Escrita Criativa for expandida para todo o país." Digamos que estamos quase lá — afirma.
O escritor e professor complementa:
— Mas vou me aposentar com uma sensação estranha, porque me sinto intelectualmente capaz de fazer tudo isso, mas fisicamente está complicado de dar aulas presenciais. Todos os alunos têm o direito de ter um professor hígido, não aquele que precisa dar aula sentado, usar uma bengala e falar baixinho. Vejo isso com muita naturalidade. A velhice, para mim, não foi uma surpresa.
O que é vocação literária?
Tendo orientado mais de 60 teses e dissertações, formado uma leva de escritores e escrito um manual de criação literária chamado Escrever Ficção (Companhia das Letras, 2019), ele tem gravado na cabeça os preceitos básicos para a lapidação de um ficcionista de qualidade:
— Primeiro de tudo, leitura, muita leitura. E escrever muito. Não pode ser escritor de fim de semana. Ouvir os outros, e isso se faz nos seminários que realizamos na oficina e na pós-graduação. Existe algo impossível de ser ignorado que é a vocação literária. Não falo talento, não gosto dessa palavra.
Assis explica que "vocação literária não é só um gostar de escrever, mas pressupõe um conhecimento do mundo e de outras áreas":
— Vamos lembrar que os vencedores do Prêmio Nobel de Literatura são, antes de tudo, pessoas muito conhecedoras do mundo, das artes, do pensamento, da filosofia. Escrever é apenas resultado de uma vivência filosófica, espiritual. Não se começa pela literatura. A literatura é apenas o modo de expressão da vida. O escritor intuitivo não vai escrever texto literário. A literatura exige bastante.