Até a plateia foi tema de discussão na conferência desta quinta-feira (5) na Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo. Na imensa tenda montada especialmente para o evento na UPF, a maior parte do público era composta por mulheres. Em um debate sobre igualdade de gênero e literatura, a circunstância chamou a atenção dos debatedores.
— Vejo muito mais mulheres do que homens na plateia. Isso pode apontar que os homens não estão interessados em uma mesa sobre questões de gênero ou que as mulheres se interessam mais por eventos culturais como esse. As duas possibilidades são muito eloquentes — avaliou a escritora Marina Colasanti.
Além de Marina, o encontro tinha como convidados Conceição Evaristo, Edegar Pretto, Federico Andahazi e Thedy Corrêa. Na mediação, estavam Augusto Massi, Alice Ruiz e Felipe Pena. Alice deu o tom do início do debate, provocando os autores a refletir sobre o papel transformador da arte na sociedade.
— Gostaria de afirmar que a arte é extremamente modificadora, mas não é o que a história nos mostra. Homero escrevia na Grécia, tivemos o Renascimento, o Humanismo, Shakespeare... E o mundo não se modificou. A arte modifica o ser humano, o indivíduo, é uma necessidade vital, mas não tem modificado aquele cerne sedento de poder, agressivo, que nos leva às guerras ou à escravidão. A arte melhora nosso cotidiano, nosso olhar, é um refúgio, mas o mundo não tem mudado como a gente gostaria — avaliou Marina Colasanti.
Thedy Corrêa, que abriu o encontro com um pocket show, usava a mesma camiseta que o guitarrista Edgar Scandurra vestiu no Rock in Rio, com a imagem de um dos quadros da exposição “Queermuseu”. A roupa era um protesto contra o fechamento da mostra. Apesar da insatisfação sobre a restrição de liberdade para os artistas, o músico se mostrou otimista:
— Para construir um presídio nos EUA, há um cálculo para determinar quantos presos devem ser esperados nos próximos anos. Nesse cálculo, há um fator que é o percentual de crianças entre 10 e 11 não leem. Ou seja, se a criança lê, é muito provável que não fará parte do percentual da população ocupará um presídio. Isso é uma prova de que a arte pode mudar a vida de alguém.
Edegar Pretto, deputado estadual que tem militado contra a violência de gênero, apresentou ao público o projeto Eles por Elas, que estimula homens a se aliarem à luta feminista.
— Por meio da educação podemos melhorar a próxima geração. O menino que vê o pai agredir sua mãe corre o risco de, no futuro, agredir também sua mulher caso não tenha uma educação que mostre a ele que isso não faz parte da condição masculina — afirmou Pretto.
A mais aplaudida participante da noite foi a escritora Conceição Evaristo. Mineira radicada no Rio, começou a publicar literatura nos anos 1990, mas tem sido mais difundida nos últimos anos, depois de ganhar o prêmio Jabuti, em 2015.
— Não consigo deixar de pensar que, na verdade, temos uma herança maldita de violência. A história da nossa colonização é de violência. É uma história muito longa. Essa mestiçagem que a gente canta foi construída sob o signo da violência. Toda a América nasce sob esse signo. Temos um longo caminho a percorrer no sentido de entender e exorcizar isso — refletiu Conceição.
O argentino Federico Andahazi concordou com Conceição e estendeu o conceito de colonização para o corpo da mulher.
— Meu romance O Anatomista fala da colonização do corpo da mulher. A descoberta do órgão do prazer feminino, o clitóris, é atribuída a um médico chamado de Colombo. Isso foi no século 16. Suspeito que as mulheres já sabiam dessa existência muito antes — brincou Andahazi, arrancando risos da plateia. — É curioso que um homem tenha que apontar a existência de algo que as mulheres já sabiam há muito tempo que estava aí.