O Teatro Carlos Urbim, maior auditório da Feira do Livro de Porto Alegre, lotou nesta segunda-feira (13) para receber um dos principais escritores africanos da atualidade. O moçambicano Mia Couto foi recebido na Praça da Alfândega pela patrona Valesca de Assis e pelos ex-patronos Jane Tutikian e Dilan Camargo.
Jane apresentou o autor de Terra Sonâmbula como “quase gaúcho”, já que tem voltado seguidamente à Capital nos últimos anos. Apesar da presença constante, Couto teve audiência de raridade. Pela manhã, às 8h, já havia gente procurando pelas senhas da palestra, marcada para as 18h.
O escritor falou sobre o papel da literatura na sociedade, avaliou a importância da cultura brasileira em Moçambique e criticou o politicamente correto.
– Essa doença do politicamente correto atingiu também o Brasil. Vivemos um momento em que é preciso vigiar e censurar a própria fala – declarou Mia Couto. – É claro que a linguagem não é território neutro. As palavras têm peso. Mas a via da censura vem de uma certa atitude de puritanismo que não me agrada. Há um excesso de tentar corrigir de modo superficial aquilo que é realmente profundo e grave. As soluções não podem ser cosméticas. O Brasil precisa confrontar seu racismo, por exemplo, mas não pela via da linguagem.
O escritor comentou sobre a importância da literatura em Moçambique, depois de 16 anos de guerra civil, terminada em 1992:
– Depois da guerra, houve um silêncio sobre o tema. Esse esquecimento era uma espécie de mentira. A literatura reformou esse passado, reabriu o acesso a um tempo que era nosso. A literatura pode humanizar novamente o leitor. A primeira violência em Moçambique não foi pegar em armas. Foi deixar de ouvir o outro, desumanizar, transformar o diferente em inimigo.
Mia Couto lembrou que desde menino ouve música brasileira, pois seu pai escutava pelo rádio canções de Dorival Caymmi. Mais tarde, com a adoção do português como língua oficial em Moçambique, percebeu que Jorge Amado se tornou uma das principais referências no país como escritor.
– Jorge Amado foi o nome maior daquele momento. Merece nossa inteira gratidão, embora eu tenha sido inspirado por outras vozes brasileiras – disse Couto. – Quando era adolescente, apaixonei-me pela música brasileira. Chico Buarque, Caetano Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil me fizeram sonhar e encontrar meu próprio caminho.
Ao falar de Chico Buarque, aproveitou para provocar os adeptos do politicamente correto:
– Ninguém pode ser considerado acima de críticas. Mas vejo com alguma tristeza que o grande poeta da mulher brasileira seja hoje posto em causa em nome dessa mesma mulher. É claro que estou falando de Chico Buarque. É triste que tenha de se explicar por alguma frase que disse errado ou por um trecho de uma letra. No mundo em que vivemos, quase tenho medo de falar.