Com a incumbência de apresentar o convidado mais aguardado da 14ª edição do Brain Congress, evento sobre neurociência e emoções que segue até este sábado em Porto Alegre, o diretor do Instituto do Cérebro (Inscer/RS) e vice-reitor da PUCRS, Jaderson Costa da Costa, revelou a uma plateia ansiosa por ouvir Mia Couto que o escritor moçambicano estava ali, sim, por ser um autor celebrado da literatura.
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Mas se, porventura, alguém não considerasse isso suficiente para credenciá-lo a palestrante de um evento científico sobre cérebro e doenças neuropsiquiátricas – algo improvável diante da lotação do Teatro do Sesi nesta quinta-feira–, o neurocirurgião adiantou que, além de escritor aclamado e biólogo por formação, Mia tem um curso incompleto de Medicina em seu currículo e inclinou-se à psiquiatria em seus dias de quase médico.
O próprio escritor, ao despontar no palco para a conferência magna do evento, revelou que o convite havia causado estranheza a amigos e a ele próprio. Em tom de brincadeira, refletiu, em voz alta, que seria mais adequado estar ali para ilustrar alguma anomalia ou como peça de um estudo de caso sobre a criança hiperinativa que diz ter sido.
Mia fez graça, retomou momentos e impressões de sua infância em Moçambique para falar sobre visões da vida e do ser, à luz da ciência, do cosmos ou da natureza, das presenças e das ausências. Como se esperava, contou histórias, entremeadas com observações sobre o que leva e não entende da existência e das relações que estabelecemos ou deixamos de estabelecer entre mente, corpo e aquilo que por aí chamam de alma. Para tanto, recordou da figura de um xamã caçador que conheceu em um parque de Moçambique e da amizade enriquecedora que o privilegiou de uma forma diversa da que temos de nos compreender, inclusive nas enfermidades.
– Não somos só entidades biológicas – ponderou.
Humanidade sob uma visão diversificada
Como convidado de um evento científico, Mia enalteceu as explicações da ciência para nossa condição humana, emotiva e material, mas confessou que prefere pensar na humanidade sob uma visão diversificada e com a esperança de que nunca se saiba de tudo a ponto de se perder a magia. O moçambicano criticou a humanização das máquinas e a "maquinização" das pessoas e as tentações de um mundo regido pelo mercado, em que há um farto cardápio de milagres.
– As seitas de pseudocientistas estão para a ciência como os livros de autoajuda estão para a literatura. As curas terapêuticas não virão de novos produtos, mas de um mundo mais humano – disse o escritor.
Recompondo as sutilezas, Mia Couto sugeriu aos cientistas, assim como àqueles que pressupõem a explicação científica como superior e suprema, que não abdiquem do rigor em seus propósitos, mas que estejam abertos a outras sabedorias. Ainda lançando mão da cordialidade e do humor, o escritor moçambicano ressaltou a necessidade vital de nos maravilharmos e de estarmos frente ao inexplicável. Antes de encerrar, fez um pedido:
– Por favor, não expliquem tudo.