Uma das principais vozes da literatura africana, o nigeriano Wole Soyinka atraiu estudantes, escritores, membros do movimento negro e outros perfis de público para o Theatro São Pedro, na manhã de domingo. A diversificada plateia ouviu o Nobel de Literatura, laureado em 1986, falar de suas concepções sobre a África e defender a ideia de que o culto aos orixás está mais presente no mundo do que muitos podem ou querem perceber – e que as divindades negras também têm muito a ensinar.
Soyinka veio participar da Feira do Livro de Porto Alegre como convidado da 11ª Bienal do Mercosul. O evento de artes visuais será realizado em abril de 2018, mas já está levantando debates sobre um de seus principais temas: a presença da cultura africana no Brasil.
No palco do Theatro São Pedro, o escritor nigeriano foi recebido por Gilberto Schwartsmann, presidente da Bienal, e Elisa Nascimento, viúva de Abadias Nascimento (1914–2011), professor e escritor militante dos direitos dos afrodescendentes no Brasil, que conviveu com Soyinka na Nigéria.
O Nobel africano começou a palestra defendendo a ideia de que a identidade de seu continente se espalha pelo mundo, embora adquirindo características próprias em diferentes locais.
– O significado de um orixá pode mudar de um país para outro, bem como o modo de fazer esculturas, por exemplo. A cultura é dinâmica, não é estática. É reinterpretada conforme o tempo e o local em que se insere – explicou Soyinka.
Nos anos 1990, quando a Nigéria esteve sob o comando do ditador Soni Abacha, Soyinka morou na Jamaica, onde conheceu a comunidade de Bekuta, criada no passado por escravos fugidos. O nome do local tem a mesma origem da cidade natal do escritor, Abeokuta, e revive até hoje hábitos e danças dos antepassados dos fundadores.
– Eu corria risco de vida por conta das perseguições políticas, e se algo acontecesse comigo, não queria que meu corpo voltasse para a Nigéria naquele momento. Não admitia ser enterrado no país enquanto aquele ditador estivesse no poder. Depois que conheci Bekuta, avisei minha família que poderia ser enterrado ali. Isso rejeita qualquer noção de que o continente africano é cercado pelo oceano ou isolado geograficamente. A África existe além das fronteiras – afirmou Soyinka.
Para Escritor, não existe identidade africana única
O escritor também falou das dificuldades de fortalecer e resgatar aspectos do passado da cultura negra. Um dos primeiros desafios foi dar à própria comunidade negra a autoridade sobre o tema.
– Parecia que alguém de fora sempre precisava certificar o que estávamos dizendo. Não preciso que um pesquisador europeu me diga o que pensa o babalaô que vive na frente da minha casa – destacou Soyinka.
Mais tarde, também foi preciso desmanchar a tentativa de certos grupos, principalmente alinhados ao pensamento marxista, de que há um cultura africana única.
– Somos todos vizinhos, mas isso não significa que haja uma única identidade negra na África. Era uma tentativa de nos retratarem todos como vítimas da dominação estrangeira – avaliou o escritor.
Soyinka também tratou da importância da religião negra em diferentes partes do mudo:
– Muitas vezes, o culto aos orixás é associado a um gueto, e já foi até chamado de religião invisível. Quando falamos da invisibilidade, é importante analisar a questão por um viés diferente. Para quem é cego, tudo é invisível. Se uma sociedade não enxerga os cultos aos orixás, não é porque eles não existem, mas porque a sociedade está insistindo em não reconhecê-los.
Para o escritor, a religião de matriz africana é um exemplo de respeito a outros cultos:
– O grande significado dos orixás é o ecumenismo. A humanidade está constantemente em busca da verdade, e os orixás são caminhos para encontrá-la. Como a verdade não é doutrinária, os orixás não podem ser opressivos. Nunca entrariam em uma cruzada ou em uma jihad. Os orixás sequer acreditam em proselitismo. Só acreditam que cada indivíduo faz sua própria busca pelo que é verdadeiro.