- Governo do Estado vai autorizar reabertura de atividades comerciais, mas para especialistas é preciso cautela
- Definição do modelo adotado no RS adapta metodologia aplicada nos Estados Unidos
- Em outros Estados brasileiros há situações distintas, que vão desde a discussão de lockdown até a maior liberação de setores econômicos
Desenhado pelo governo do Estado, o modelo de distanciamento controlado representa o primeiro passo de uma tentativa de espantar os impactos econômicos da crise do coronavírus. Especialistas elogiam a promessa do Palácio Piratini de condicionar o funcionamento de empresas a indicadores da área da saúde, mas reforçam que a reabertura dos negócios exige cautela. Mesmo com o reinício gradual das operações, a economia gaúcha tem pela frente um cenário repleto de desafios até deixar os efeitos da pandemia no retrovisor.
Apresentado pelo governador Eduardo Leite em meados de abril, o modelo de distanciamento controlado deve entrar em vigor na segunda-feira, dividindo o Rio Grande do Sul em 20 regiões. Dentro das áreas, a ideia é avaliar a importância de cada atividade econômica, além dos riscos de transmissão da covid-19. Esses dados devem ser analisados de forma conjunta com as condições epidemiológicas dos municípios. Na teoria, o projeto significa que, mesmo com a relevância econômica, determinados setores só podem voltar a operar se as regiões demonstrarem capacidade de atendimento a pacientes.
— O plano, com cautela, vai no caminho certo. Leva em consideração aspectos econômicos. Estabelece protocolos e gatilhos para fechar ou abrir os setores conforme a disponibilidade de leitos nos hospitais. A questão é que testamos pouco as pessoas até agora — pondera o economista Marcos Lélis, professor da Unisinos.
Para auxiliar na criação do modelo de distanciamento controlado, técnicos do governo adaptaram à realidade gaúcha uma metodologia usada na área econômica dos Estados Unidos. É essa base teórica que permite a criação de uma escala que dimensiona tanto a importância quanto os riscos dos negócios em cada região, conforme o grupo técnico de atividade econômica do Comitê de Dados do Estado.
Na prática, um setor como o de hospedagem e alimentação pode ter peso maior do que a agricultura em determinados municípios. Mas, com a chance de registrar aglomeração de pessoas, pode trazer mais riscos à saúde pública do que as atividades do campo.
Ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Roberto Olinto ressalta que o coronavírus avança em ritmo diferente nas regiões do país. Por isso, a retomada dos negócios tem de ser desenhada a partir das informações coletadas pelos Estados, a exemplo do que ocorre no Rio Grande do Sul, argumenta Olinto, hoje pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
— O governo federal não tem capacidade de chegar ao detalhe, de compreender algumas questões regionais. O que acontece no Rio Grande do Sul é diferente do que está acontecendo no Amazonas, por exemplo. O caminho é pegar os dados da área da saúde e, a partir daí, trabalhar a retomada econômica — pontua.
Professor do Insper, o economista Eduardo Correia também entende que a reabertura de empresas deve ser feita com base em critérios técnicos:
— É importante olhar as informações para saber o que pode ou não ser retomado. Não dá para fazer uma reabertura geral, como ocorreu em Santa Catarina. É um perigo.
Cenário de incertezas
Na visão de economistas, a volta gradual dos negócios deve ser marcada por série de incertezas. A agropecuária, um dos motores da economia gaúcha, é afetada por período de estiagem. Além disso, a crise do coronavírus tende a deixar herança indigesta, com aumento no desemprego e na inadimplência não só no Estado, mas em todo o Brasil. Assim, a reação no RS também dependerá da recuperação nacional.
Diante desse cenário, existem diferentes modelos em discussão para o enfrentamento das dificuldades. Ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luiz Carlos Mendonça de Barros reconhece as restrições nas contas públicas do país. Apesar disso, o economista não vê outra forma de saída da crise que não seja a criação de novos estímulos a empresas e famílias. O efeito colateral é que seguiria elevando os gastos públicos.
— Os Estados sairão ainda mais frágeis do que entraram na pandemia. Quem tem condições de fazer a ação anticíclica é o governo federal, porque pode emitir dívida — sublinha Mendonça de Barros, que também atuou como diretor do Banco Central (BC) e ministro das Comunicações.
Professor da PUC-Rio, José Márcio Camargo discorda da proposta de aumento de gastos públicos no pós-pandemia. Para o economista-chefe da Genial Investimentos, o Brasil tem de retomar a agenda de reformas, o que também poderia auxiliar a travessia dos Estados como o Rio Grande do Sul:
— É preciso voltar para uma trajetória de controle fiscal. Retomar as reformas é necessário para o país ter investimentos privados.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Situações distintas dentro do Brasil
Enquanto o Rio Grande do Sul ensaia retomada gradual da economia, o restante do país vive cenários diversos. Parte dos Estados sofre com a disparada do coronavírus e teve de se fechar ainda mais, com adoção de medidas como lockdown. Por outro lado, há regiões que, a exemplo dos gaúchos, começam a vislumbrar retomada econômica, mas ainda não detalharam plano de ação.
— Está na hora de todo o país planejar como sairá do isolamento. O maior risco agora é de um movimento desorganizado, com as pessoas indo para a rua sem o cuidado necessário. É preciso ver quais regiões podem sair ou não e quais indicadores serão levados em conta — salienta o economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, também professor da PUC-Rio.
No Distrito Federal, a reabertura do comércio estava prevista para segunda-feira. A autorização, contudo, foi adiada pelo governador Ibaneis Rocha para o próximo dia 18. Na última quarta-feira, a Justiça Federal do DF suspendeu a ampliação do funcionamento de atividades consideradas não essenciais e solicitou informações complementares sobre a proposta de retomada.
O governo de São Paulo, centro financeiro do país, elaborou plano para flexibilizar restrições, mas teve de postergar a medida. Na sexta-feira, o governador João Doria informou que a quarentena será prorrogada até dia 31 de maio devido ao "cenário desolador" causado pelo coronavírus.
As dificuldades de conter a pandemia também levaram municípios do Pará, Maranhão e Ceará, além de três bairros do Rio de Janeiro, a adotar o modelo de lockdown, conhecido como a face mais drástica do isolamento social. Assim, a economia desses locais tende a sentir choque ainda maior nas próximas semanas.
O economista Marcos Lélis assinala que, independentemente da região, a retomada dos negócios requer paciência. Com isso, os Estados, inclusive o Rio Grande do Sul, dependerão ainda mais do auxílio do governo federal, diz o professor da Unisinos.
— Os Estados não têm capacidade para emitir dívida. A retomada tem de passar pelas ações federais, do Ministério da Economia — frisa Lélis.
Para Roberto Olinto, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a tentativa de reabertura de empresas deixa pelo menos uma lição. Segundo Olinto, é preciso que o país construa uma rede integrada de informações econômicas e sociais. Esse processo, envolvendo Estados e União, facilitaria o combate a períodos de dificuldades no futuro, aponta o hoje pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
— Quantas empresas tiveram de fechar por causa da crise? Quantos empregos já foram perdidos? Precisamos ter esses detalhes afirma — É necessário haver uma rede integrada de informações. Não adianta, por exemplo, o governo federal ter o Datasus, com muitos dados, sem estar conectado ao IBGE. Essa é uma das grandes lições da crise — acrescenta.