O economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, sublinha que a retomada da economia brasileira depende do avanço de reformas. Para o professor da PUC-Rio, "não há muita coisa a ser feita" pelo governo federal antes da aprovação de mudanças na Previdência. Em 2018, Camargo atuou como assessor econômico do então candidato à Presidência Henrique Meirelles (MDB).
Como descreve o atual momento da economia?
O Brasil viveu conjunto impressionante de choques em 2018 e 2019. Houve desvalorização cambial, alta nos preços de combustíveis, greve dos caminhoneiros, guerra comercial entre Estados Unidos e China. Apesar disso tudo, a economia cresceu em 2018, e a inflação ficou sob controle. A Argentina, por exemplo, sofreu choques menores no ano passado, porque não teve greve dos caminhoneiros nem eleições, e a inflação ficou em 40% ao ano, com recessão. O Brasil está com economia mais resistente a choques do que estava no passado. É um ponto importante. Tem a ver com reformas nos últimos três anos, como o teto de gastos. Mas o Brasil continua crescendo pouco. E está crescendo pouco por uma série de razões.
Quais?
A primeira é a enorme incerteza sobre a aprovação da reforma da Previdência. O teto de gastos só será sustentável se a reforma for aprovada. Sem mudanças na Previdência, o Brasil poderá entrar em trajetória recessiva muito forte. Os investidores estão esperando a reforma para ter mais certeza sobre o comportamento da economia. Por essa razão, acredito que, quando a reforma for aprovada, os investimentos vão melhorar, e a economia vai crescer mais do que vem crescendo, apesar de não ser um crescimento muito forte. O segundo ponto importante é a incerteza sobre a aprovação de outras reformas. A da Previdência é a mais importante. Mas outras também são necessárias para acelerar o crescimento.
Além disso, a economia mundial está crescendo menos. Isso afeta o desempenho brasileiro. Entre 2007 e 2015, o Brasil adotou estratégia de política econômica que foi um desastre, gerando destruição de capital. A Petrobras endividou-se em excesso, desistiu da construção de sondas e refinarias. Empresas que estavam trabalhando nos projetos faliram. O setor naval teve grande parte das companhias em falência. As empreiteiras que trabalharam com a Petrobras foram condenadas por corrupção. A maior parte delas está em recuperação judicial. A Odebrecht também deve entrar. Essas empresas não conseguem investir. Essa política econômica diminuiu a capacidade de investimento do setor privado brasileiro. Vamos conviver com isso durante algum tempo.
Economistas passaram a cogitar a possibilidade de o país viver período de depressão econômica. Qual a definição correta para o atual momento?
Acho muito pouco provável termos uma depressão. As pessoas desejam consumir. O problema está no fato de que se diminuiu a capacidade de investimento no setor primário, e o poder público não consegue cobrir esse espaço. Eventualmente, as empresas vão diminuir seu endividamento, a redução no juro vai afetar minimamente a capacidade de investir, as expectativas vão melhorar com as reformas e a abertura da economia. Não estou com medo de depressão, não.
Qual a saída para a situação?
A saída virá com as reformas. Também é preciso fazer uma reforma tributária. Mas o processo é lento e longo. Se a reforma da Previdência for aprovada, a economia deve crescer um pouco mais a partir do final deste ano. Em 2020, podemos ter taxa de crescimento mais perto de 2% ou 2,5% do que de 1%. Fizemos concessões importantes, neste ano, de aeroportos. O setor de infraestrutura é importante por duas razões: gera empregos e provoca ganhos de competitividade para a economia como um todo. Esses investimentos serão benéficos no futuro.
Além das reformas, o governo pode desenvolver ações pontuais para melhorar a economia?
Não tem muita coisa a ser feita, não. Há questões paliativas, como aconteceu quando o então presidente Michel Temer liberou recursos inativos do FGTS. Deu fôlego no curto prazo. Agora, cogita-se também a liberação de contas ativas. Isso vai dar fôlego, mas pouca coisa. O governo perdeu completamente a capacidade de fazer política fiscal. A capacidade de gastar diminuiu muito. Depois que ficar claro que a reforma da Previdência será aprovada, o Banco Central poderá reduzir o juro. Por exemplo: depois que a reforma for aprovada na Câmara. Acho que não precisará esperar o final de todo o processo. Mas é necessário ter mais clareza.
Por quê?
Sendo otimista, acho que virá uma reforma boa. O problema é que, se o juro for reduzido agora, e o mercado interpretar como uma fraqueza do Banco Central para controlar a inflação, o risco pode aumentar, gerar reflexo no câmbio e pressão inflacionária. Assim, o Banco Central aumentaria o juro novamente. Seria um risco desnecessário. O ponto é que não acho que uma redução no juro vai gerar muito crescimento na economia. A recessão não é essa. A recessão é o fato de as empresas não terem capacidade de investimento porque já estão endividadas. A vantagem de reduzir juro é a diminuição de gasto, mas não vai gerar muito crescimento.
Quais países que passaram por crises econômicas poderiam servir de exemplo para o Brasil?
Portugal e Espanha, principalmente Portugal. Fez um ajuste fiscal espetacular, mais rígido do que o nosso. Reduziu gastos, e o país está crescendo. A situação econômica é boa. É preciso fazer ajuste fiscal quando um país está com déficit alto.