Nelson Marconi avalia que o governo federal deveria rever decisões na área econômica para que o país não volte a amargar período de recessão. A retomada passaria pela maior concessão de financiamentos do BNDES e por programa mais robusto de concessões, diz o economista. Em 2018, Marconi foi um dos coordenadores do programa de governo de Ciro Gomes (PDT), então candidato à Presidência.
Como descreve o atual momento da economia brasileira?
Há uma grave crise de insuficiência de demanda. O mercado está desaquecido. O desemprego segue alto, assim como o endividamento de famílias e empresas. Isso faz com que não haja perspectiva de retomada rápida. O setor privado não será o agente principal da reação, porque não tem estímulo para investir.
Economistas passaram a cogitar a possibilidade de o país viver período de depressão econômica. Qual a definição correta para o atual momento?
Não chamo de depressão. Estamos, possivelmente, voltando para uma recessão. Não haveria depressão antes da recessão. Neste momento, não tem nada no horizonte que aponte para melhora. O governo não toma atitude. Acredita que basta aguardar a reforma da Previdência para a situação melhorar. Nessa toada, continuaremos indo para o brejo, para o buraco.
Qual sua avaliação sobre as reformas cogitadas para o país?
São necessárias. Não vão gerar crescimento no curto prazo, mas são necessárias para não termos cenário ainda pior. A reforma da Previdência, como foi desenhada, atinge muito os mais pobres, com mudanças no BPC e na aposentadoria rural, que devem cair. Aproxima os regimes públicos e privados e acerta em fazer alíquota progressiva, mas erra fortemente em abrir possibilidade para substituir o regime de repartição pelo de capitalização. Capitalização deveria ser complementar, e não substitutiva. A reforma tributária em tramitação na Câmara é bem estruturada. Reorganiza uma série de impostos. É válida nesse sentido, mas é parcial porque não propõe mudança importante, a troca de taxação sobre produção pela taxação dos mais ricos. Isso ainda não está previsto. Por isso, digo que é parcial.
Além das reformas, o que pode ser feito para dar estímulo à economia?
A saída seria ampliar os investimentos do BNDES, para financiar infraestrutura e inovação, em vez de devolver dinheiro do banco ao Tesouro. Essas são obras em que a oferta vem antes da demanda. Também é necessário que o país tenha estratégia orientada para ampliar concessões em infraestrutura. Mas o mecanismo principal hoje seria ampliar a atuação do BNDES. Não é pelo fato de que no passado houve empréstimos para áreas que não precisariam deles que o BNDES não tem papel importante. É aquela história: não vamos jogar o bebê fora com a água do banho. Além disso, é preciso abrir um pouco de espaço para aumento do investimento público. A única coisa que o governo está fazendo agora é o programa de concessões, mas, mesmo assim, é uma preocupação tímida. Fez a concessão de alguns aeroportos. Não é algo ambicioso. Teria de ser uma das prioridades neste momento.
O governo estuda liberar recursos de contas do FGTS. Qual seria o peso da medida?
É um paliativo que o governo pode usar. Ajudaria um pouco, mas não resolveria todos os problemas. Não geraria estímulo tão grande.
Quais países que passaram por crises econômicas poderiam servir de exemplo para o Brasil?
Pense no que passaram os países do Leste Europeu quando se desvincularam da União Soviética. Passaram por crises. Pense em Portugal, Espanha. Fiz uma análise sobre os países que mais cresceram desde os anos 1960. De 34 nações, 25 buscaram aumento de bens industrializados em suas exportações. Para exportar esses bens, é preciso ser eficiente, competir de maneira adequada, fazer série de inovações que se espalham pelo resto da economia. Países do Leste Europeu investiram fortemente na indústria e no setor de serviços. Portugal passou por boom de turismo. A questão é que a população portuguesa é muito menor do que a nossa. Por isso, pode ter estratégia mais baseada nesses serviços. Ainda assim, é necessário que Portugal dê estímulo a setores tecnológicos. Do contrário, pode ter surto de crescimento e depois parar. Não podemos pensar a indústria moderna separada do setor de serviços. Exemplos de países que fizeram isso seriam os do Leste Europeu, como Polônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Croácia. Combinaram retomada da indústria com serviços modernos.
Como poderia ser feito esse estímulo à indústria nacional?
O principal estímulo à indústria é ter equilíbrio macroeconômico, com juro baixo, taxa de câmbio no lugar. Hoje, a taxa está em nível satisfatório. Além disso, é preciso ter situação fiscal melhor, que possibilite ao governo fazer investimento, e política orientada a exportações. O governo, com as empresas, precisa gerar inovação. Nossa estratégia hoje é orientada à importação. Precisamos da redução do custo Brasil. Isso afeta mais a indústria, porque tem margem de lucro menor do que outros setores menos expostos à competição externa.
Alguma crise que o país viveu em outro período também pode servir de exemplo?
Houve momento de queda no nível de atividade na década de 1960, até depois do golpe militar, entre 1965 e 1966. O governo fez programa de ajustes na época. Além disso, buscou forte estímulo a exportações. Em 1964, 6% das nossas exportações eram de manufaturados. Em 1980, correspondiam a 50%. Em meio a esse período, houve o chamado milagre econômico, boa parte dele explicada pelas exportações. Na crise de 1982 e 1983, o país foi exportar para aumentar nível de atividade. No período recente, não dá para falar que saímos da crise, porque estamos patinando há muito tempo. A Espanha, por exemplo, também buscou exportações para sair de crise recente.