O projeto de reforma da Previdência do futuro governo de Jair Bolsonaro (PSL) encontra inspiração no Chile. Por lá, o sistema de aposentadorias em vigor é o de capitalização, no qual os trabalhadores fazem depósitos em contas individuais para obter seus próprios benefícios. O modelo desperta a simpatia do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, guru do presidente eleito, mas sofre contestações internas.
Professor da Universidade do Chile, o economista Guillermo Larraín foi um dos responsáveis pelo desenho da reforma do sistema local em 2008, que criou pilar estatal para atender a grupos mais desfavorecidos da população. Confira principais trechos da entrevista por e-mail a GaúchaZH.
Qual sua avaliação sobre a Previdência chilena?
É um sistema baseado na poupança que resulta da contribuição obrigatória dos trabalhadores do setor formal. Nesse sentido, reflete a situação do mercado de trabalho. É um sistema que, quando criado, era único e, por isso, teve erros de desenho, que puderam ser corrigidos por países que adotaram modelos similares posteriormente. Quando se fala de sistema de aposentadorias no Chile, é necessário dizer que não se trata apenas do sistema das AFPs (administradoras privadas de fundos de pensão). Um sistema de poupança forçada não brinda com uma solução satisfatória os trabalhadores vulneráveis em empresas informais ou profissionais independentes.
Por isso o modelo considera, desde 2008, um pilar solidário, que se financia com aportes do Estado para pagar aposentadorias básicas. É um sistema que segue incompleto, porque faltam mecanismos complementares de financiamento das aposentadorias e de gestão de investimentos. É crucial que maximize a transparência e que promova a prestação de contas e a competição.
O que a proposta de reforma atual representa para o país?
Há críticas porque os trabalhadores não têm representação nem voz em nenhum aspecto de gestão, e isso levanta suspeitas.
GUILLERMO LARRAÍN
Professor da Universidade do Chile
É uma nova reforma que mantém a mesma estrutura. Não há inovação. Sobe-se a taxa de contribuição de 10% para 14%, com a participação do empregador. Abre-se maior competição, mas as novas administradoras (dos recursos depositados pelos trabalhadores) devem cumprir os mesmos requisitos que as AFPs e, por isso, ficam excluídas de investir em certos ativos.
Qual sua avaliação?
É necessário porque as aposentadorias são muito baixas para o padrão de vida dos trabalhadores antigos. No entanto, a reforma não resolve o problema.
Pode melhorar essa situação?
Pode corrigir coisas, mas em prazo longo e na medida em que não coincida com algum outro grande choque (na economia).
O senhor já mencionou que as aposentadorias dos chilenos alcançavam até 63% do valor de seus salários. Haveria pessoas com menos de 40%. Os percentuais continuam os mesmos?
Sim. As aposentadorias, em média, são baixas.
Por que isso ocorre?
As aposentadorias atuais refletem choques passados (da economia). As gerações que estão se aposentando agora — e nos próximos 10 anos — são marcadas pela crise de 1982, na qual o PIB (Produto Interno Bruto) caiu 17%.
A imprensa chilena reporta críticas de parte da população local em relação aos fundos de pensão do país. Qual sua opinião sobre o assunto: houve má administração ou alguma irregularidade nessas organizações?
Não são conhecidas irregularidades que tenham significado perdas aos fundos de pensão. Há críticas porque os trabalhadores não têm representação nem voz em nenhum aspecto de gestão, e isso levanta suspeitas. No geral, houve gestão adequada.
É possível adaptar um sistema de aposentadorias a exemplo do chileno no Brasil?
Pode ser adaptado para ser parte de um sistema maior, mas não pode existir sozinho como no caso do Chile. É crucial que o modelo seja coerente com o mercado de trabalho e disponha de elementos de proteção para os setores mais desfavorecidos.
Há críticas porque os trabalhadores não têm representação nem voz em nenhum aspecto de gestão, e isso levanta suspeitas.