O avanço da crise que atormenta a Argentina eleva a preocupação de setores da economia do Rio Grande do Sul. Com as dificuldades financeiras enfrentadas pelos vizinhos, as exportações gaúchas ao país comandado pelo presidente Mauricio Macri despencaram nos últimos meses. Para piorar, não há sinais de melhora consistente no curto prazo, frisam analistas.
Em 2018, as exportações gaúchas para a Argentina diminuíram 21,5%, para US$ 1,5 bilhão. Com o resultado, o país caiu do segundo para o terceiro lugar na lista dos principais destinos das vendas externas do Estado, indicam dados do Ministério da Economia. No início de 2019, os negócios seguiram no vermelho. Conforme estatísticas preliminares, os embarques aos vizinhos tiveram tombo de 50,1% no primeiro trimestre, frente a igual período do ano passado, para US$ 235,5 milhões.
– A tendência é de que as exportações para a Argentina sigam em queda. No momento, não há perspectiva de recuperação – frisa o economista Marcos Tadeu Caputi Lélis, professor da Unisinos.
Eleito em 2015 com discurso em defesa do ideário liberal na economia, Macri vê sua imagem abalada pelas dificuldades do governo para conter a inflação, que disparou 54% no acumulado de 12 meses encerrado em março. Para tentar controlá-la, o presidente recorreu na quarta-feira (17) ao congelamento de preços, por seis meses, de produtos como arroz, farinha e açúcar, além de manter inalteradas tarifas de serviços públicos em 2019. O anúncio da manutenção de valores ocorre às vésperas da eleição presidencial, marcada para outubro.
– Não é a melhor solução. É uma medida de curto prazo, imediatista. Sair do congelamento é difícil, já que os preços tendem a disparar logo em seguida – pontua Lélis.
Benefício para quem importa insumos
Em 2018, as principais mercadorias enviadas por empresas gaúchas à Argentina foram automóveis, tratores e outros veículos, cujos embarques engataram marcha a ré. De janeiro a dezembro, somaram US$ 599,5 milhões, redução de 25,5% frente a 2017.
– O congelamento dos preços preocupa bastante porque é uma medida um tanto quanto populista, que tende a atrasar a recuperação da economia. O mercado argentino é importante para setores como o de veículos – reforça o economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), André Nunes de Nunes. – A crise é mais grave do que a esperada, e o país vai demorar mais tempo para sair dela.
Economista-chefe do Sistema da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Antônio da Luz descreve a situação da Argentina como "péssima" para as exportações gaúchas. Por outro lado, lembra que o enfraquecimento da moeda local, o peso, em relação ao dólar deve diminuir os custos para o Rio Grande do Sul importar mercadorias do país vizinho, como o trigo.
– Os produtos deles chegam ao mercado internacional custando menos. Importar também é necessário. A crise econômica da Argentina é extremamente grave, em estágio mais avançado do que a última recessão brasileira – observa Luz.
O país comandado por Macri é o terceiro principal destino das exportações brasileiras. Em 2018, as vendas para a Argentina atingiram US$ 14,9 bilhões, queda de 15,1% frente ao ano anterior. No primeiro trimestre de 2019, o tombo foi maior, de 46,7%, para US$ 2,3 bilhões.
– O canal de transmissão da crise da Argentina para o Brasil é formado pelas exportações – define o economista Mauro Rochlin, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Entenda a crise na Argentina
O caos econômico da Argentina acentuou-se a partir de meados de 2018. Com a projeção à época de alta no juro americano em velocidade acima da esperada, os Estados Unidos passaram a ser vistos como porto ainda mais seguro para investidores. Assim, mercados emergentes como Argentina e Turquia, onde há riscos mais elevados, foram atingidos pela fuga de recursos.
Não bastasse isso, o país comandado por Mauricio Macri viu sua situação se deteriorar com dificuldades em reservas internacionais, que podem funcionar como espécie de colchão de segurança contra choques financeiros. Para completar a receita da crise, a disparada do dólar e a seca ocorrida no início de 2018 fizeram preços de produtos como alimentos saltarem. Em 2018, a inflação local alcançou 47,6%, nível mais alto em 27 anos. Foi preciso recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
– A história da Argentina é supercomplexa. Quando as commodities vão bem no mercado internacional, a economia tende a avançar. Quando isso não acontece, as reservas internacionais não dão conta, e as exportações não geram dólares suficientes para pagar as importações. Com tudo isso, cria-se um longo caso de incertezas – menciona o economista-chefe da Fiergs, André Nunes de Nunes.
Ao vencer as eleições de 2015, Macri pôs fim ao ciclo de 12 anos de kirchnerismo no país. Ostentando a bandeira liberal, prometeu reduzir o intervencionismo. Mas, com a proximidade das eleições, optou pela receita que criticava e propôs congelamento de preços.
– É um anacronismo um governo que se diz liberal adotar medidas intervencionistas. A alta do dólar foi tão intensa que empurrou a inflação a outro patamar. Isso resultou no congelamento de preços, algo que não tem final feliz. É uma medida terapêutica no curto prazo que depois vira veneno – avalia o economista Mauro Rochlin, professor da FGV.