A crise que chacoalha a Argentina cruza a fronteira com o Brasil e traz na bagagem impactos para o Rio Grande do Sul. Um dos efeitos da turbulência na economia do país vizinho, que assiste ao derretimento da moeda local frente ao dólar, atinge as exportações gaúchas.
O cenário representa obstáculo extra para a retomada de setores como a indústria do Estado, já que o mercado argentino está entre os principais destinos das mercadorias enviadas ao Exterior. Em julho, mês com os dados mais recentes, as exportações gaúchas ao país vizinho somaram US$ 128 milhões, recuo de 22,9% em relação a igual período do ano passado, aponta a Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs).
Mesmo com o resultado negativo, a Argentina foi o segundo maior destino das mercadorias gaúchas, ao receber 9,5% do total embarcado. Os principais itens direcionados ao mercado vizinho foram veículos automotores, que tiveram baixa de 29%, e produtos químicos, com redução de 22,2%.
– A crise por lá tem reflexos aqui no Rio Grande do Sul. Essa situação já está batendo nas exportações, principalmente nas registradas pela indústria. O quadro de dificuldades vindo da Argentina deve se prolongar nos próximos meses – projeta o economista Marcos Tadeu Caputi Lélis, professor da Unisinos.
O ramo calçadista é um dos setores no Estado que demonstram preocupação com o cenário do mercado vizinho. A apreensão cresceu nos últimos meses porque a Argentina assumiu recentemente o posto de principal destino das exportações gaúchas em volume no segmento, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), com sede em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos. De janeiro a julho, os embarques do Rio Grande do Sul ao país vizinho alcançaram US$ 34,4 milhões, alta de 33,3% frente a igual período de 2017.
– A crise na Argentina preocupa muito. O país é o nosso principal cliente. Provavelmente, haverá queda acentuada nas vendas para lá nos próximos meses – avalia o presidente-executivo da Abicalçados, Heitor Klein.
"Retenciones" podem afetar preço do pão
Antônio da Luz, economista-chefe do Sistema Farsul, que representa o agronegócio no Estado, lembra que o governo argentino, pressionado pela turbulência interna, anunciou nesta semana a volta das retenciones – cobrança de taxa sobre exportações, inclusive de produtos básicos. Conforme o especialista, a medida tende a diminuir a competitividade do país e pode beneficiar concorrentes, como o Rio Grande do Sul, no comércio exterior.
Por outro lado, Luz frisa que o Estado também importa da Argentina mercadorias como trigo, cujo preço pode subir com as retenciones. Logo, a estimativa é de que haja impacto no bolso dos consumidores gaúchos que buscam produtos que dependem dessa matéria-prima, como pães e biscoitos.
Mesmo com a queda em julho, as exportações do Estado para a Argentina avançaram 4,3% nos sete primeiros meses do ano. Os embarques somaram US$ 1,04 bilhão, segundo a Fiergs. De janeiro a julho, o total das vendas externas gaúchas cresceu 20,7% em relação a igual intervalo de 2017, alcançando US$ 11,93 bilhões.
– A atual crise na Argentina estourou em maio. Como o Rio Grande do Sul é parceiro comercial do país, é natural que sinta os efeitos em setores como a indústria – sublinha o economista-chefe do Sistema Fiergs, André Nunes de Nunes.
Desvalorização do peso em quase 50% no ano
A turbulência da economia argentina é medida pela situação do mercado de câmbio local. Neste ano, a desvalorização do peso frente ao dólar é de quase 50%. Conforme analistas, as dificuldades cresceram com a piora do cenário externo para países emergentes. A situação decorre, em parte, da projeção de alta no juro dos Estados Unidos em ritmo mais rápido do que o esperado. Com a elevação nas taxas, o mercado americano torna-se ainda mais atrativo para investidores. Consequentemente, afasta recursos de países como a Argentina e o Brasil, onde os riscos são maiores.
– Quando os EUA sobem o juro, chamam os investidores. Países como a Argentina e a Turquia, que também passa por turbulência, dependem de recursos externos para fazer a economia funcionar. Por isso, a conta não está fechando – diz Pedro Ramos, gerente de análise econômica do Sicredi.
Nesta terça-feira (4), representantes do governo argentino estiveram em Washington, nos Estados Unidos, para negociar com o Fundo Monetário Internacional (FMI) adiantamento de recursos estabelecidos em acerto anterior. Na véspera, o presidente Mauricio Macri anunciou a volta do imposto sobre exportações e a redução do número de ministérios.
– O país tem elevado déficit fiscal. Grande parte dessa dívida é calculada em dólares. Com a desvalorização cambial, o problema se agrava. O momento da Argentina é marcado por incertezas. Isso também retrai o consumo da população – salienta Nunes.