Ao anunciar o impensável, o presidente da Argentina, Mauricio Macri, tentou justificar afirmando que esta não é "mais uma crise", e que tem de "ser a última". Mas a volta da cobrança das retenciones – taxa recolhida sobre exportações, inclusive de produtos agropecuários – é um fantasma a mais no país já assombrado pela disparada do câmbio. O presidente argentino sabe o tamanho da encrenca que comprou. Ele mesmos considera "malísimo" (péssimo) o tributo. Faz parte do pacote anunciado nesta segunda-feira (3) para responder às exigências de mais aperto do Fundo Monetário Internacional (FMI).
As retenciones estiveram na origem da escalada de desgaste do casal Kirchner. Quando presidente, Néstor havia sustado o declínio constante da economia e obtido enorme apoio popular e nas elites. Mas em 2008, quando sua sucessora e mulher, Cristina, anunciou a cobrança de pesadas alíquota sobre a venda ao Exterior de soja e carne, entre outros produtos, deflagrou também uma feroz oposição a seu governo.
Como tecnicamente a "retención" não é um imposto, não passará pelo Congresso. Não alcança os níveis elevados adotados por Cristina, mas os cerca de 10% que serão cobrados sobre produtos com baixo valor agregado (soja em grãos e carne estão nessa categoria e estão entre os principais produtos exportados pela Argentina) são o suficiente para azedar a imagem inicial de um Macri que representou o rompimento com o passado kirchnerista. Outro artificialismo que volta são os "precios cuidados", uma espécie de congelamento branco de produtos básicos. Outro signo do kirchnerismo. Para mostrar que está cortando na carne, Macri também anunciou que vai reduzir o ministério a menos da metade.
Nas ruas de Buenos Aires, pelo menos um mês antes da disparada do câmbio, os sinais da crise eram menos visíveis do que no Brasil. A franquia "aluga-se" (lá, seria "se alquila) não se espalhou como no Brasil. Há clientes nas milhares de lojas de rua que ainda têm força no país. Mas os sinais da alta de preço já se manifestavam sob a forma de falta de itens em cardápios de alguns restaurantes.
Há uma lenda, na Argentina, de que presidentes não peronistas não terminam mandatos. Foi assim com os radicais (integrantes da Unión Cívica Radical, UCR, partido político) Raúl Alfonsin (em 1989, entregou o cargo ao sucessor eleito cinco meses antes da data prevista) e Fernando de la Rúa (renunciou em 2001, no meio do mandato). Macri representa a promessa de quebra dessa escrita. Será melhor para o Brasil que consiga.