Quando se passa muito tempo em um lugar, a pessoa se torna o lugar e o lugar se torna a pessoa. Assim foi a relação entre Grêmio e Renato Portaluppi. Em oito anos, o clube se tornou um pouco o treinador, e o técnico virou um pouco o clube. Dos últimos 3.011 dias da vida gremista, exatos 2,5 mil tiveram a presença direta de Renato. Natural que depois de tanto tempo reste um sentimento de vazio, uma espécie de luto pela separação entre nomes que passaram tanto tempo juntos.
Uma semana após a separação entre as partes, o buraco deixado com a saída do ídolo ainda não foi preenchido. Apresentados na sexta-feira (13), o vice de futebol Alexandre Rossato e o diretor Guto Peixoto terão a responsabilidade de eliminar as lacunas deixadas. Renato não foi o único a sair. Seus auxiliares diretos, os responsáveis pela preparação de goleiros e física foram dispensados.
Se conhecerá a dimensão do vazio apenas em janeiro, quando o elenco se reapresenta — com um novo treinador e uma nova comissão técnica. Mudanças desta magnitude causam repercussões psicológicas no ambiente. Elas são proporcionais ao tamanho da modificação.
— A liderança, pela figura que ele era, essa ausência traz um vazio. Traz uma série de perguntas sem resposta, uma série de expectativas. Faz com que outras lideranças também ocupem seus espaços. O vazio vai ser substituído pelo rearranjo de lideranças técnicas, diretivas e emocionais. Isso está em aberto — destaca o professor de psicologia da PUCRS Lucas Rosito, especialista em psicologia do esporte.
A figura imponente de Renato abre fendas não apenas pela sua história e pelo tempo de clube, mas também pelas relações. Sua presença no CT Luiz Carvalho ainda será sentida. Ele nunca escondeu sua quase onipresença, com visitas ao departamento médico, no refeitório e outras áreas.
— Faço minhas refeições no clube. Adoro ficar lá no CT. Como todo dia lá. Sempre chego bem antes do meu grupo. Termino, o pessoal vai embora, eu vou para o refeitório, fico lá batendo papo com as gringas, que são as cozinheiras, converso com todo mundo, almoço lá. Minha vida é o Grêmio — relatou Renato, em entrevista a Zero Hora, em abril.
A cicatrização deste momento poderá ser rápida ou lenta. Dependerá dos resultados nos próximos meses. Porém, pode ter reverberação imediata positiva.
— A saída causa uma repercussão. Existe a desejada, que é de mudança, a renovação, uma resposta de motivação à novidade. Podem ter aqueles que ajam diferente, se sintam mais livres, com expectativas renovadas. Se as coisas andarem bem, a sensação temporária da ausência dessa figura será substituída pela satisfação. Se não for bem sucedida, podemos ter uma ressaca, um arrependimento, em alguma medida — complementa Rosito.
Para além do Grêmio
A ausência do treinador não será sentida apenas no ambiente gremista. Desde sua primeira passagem como treinador em Porto Alegre, ele não fixou residência na cidade. Preferiu ser hóspede/morador de hotel. Somente seu nome seria razão para causar impacto no estabelecimento. Neste caso específico, ainda mais.
Renato era o único morador fixo do Hotel Deville, na zona norte de Porto Alegre. Pouco afeito a aparições públicas, adotava um estilo low profile. Quase não circulava pelas áreas comuns do prédio. Seu maior contato era com os funcionários da cozinha. Todos destacam a simpatia do treinador na relação diária.
Durante a enchente de maio, foi o último a deixar o hotel e o primeiro a retornar. A relação se tornou tão próxima que, ao se despedir de Porto Alegre, o treinador agradeceu aos funcionários do hotel, nominalmente ao gerente André Machado e a Seu Zé, o confeiteiro.
— O Renato fez parte da nossa vida aqui. E sempre nos tratou como um irmão da família. Então, isso é muito legal, essa simpatia dele com a gente. Porque ele é um cara muito simples, muito bacana. E sempre um bom homem. Ele é um cara que morava aqui por muito tempo. Realmente cria um vínculo mais afetivo — relata José Antônio Lourenci Nunes, o confeiteiro Seu Zé.
Grêmio e Renato viverão os próximos dias à procura de preencher o vazio que um deixou no outro. Mesmo que haja aquela estátua para lembrar que são inseparáveis.
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