Vizinhos na Região Sul, Rio Grande do Sul e Santa Catarina apresentam comportamentos distintos quando são observados os números da covid-19. O Estado vizinho tem o dobro de incidência de coronavírus. São 34 infectados para cada 100 mil habitantes catarinenses, frente a 17 para a mesma proporção de gaúchos.
O governador Carlos Moisés foi um dos primeiros a anunciar medidas de distanciamento social no país, mas o início da liberação das atividades econômicas a partir de 13 de abril e a reabertura shoppings, no dia 22, coincide com o avanço da doença: são 2.795 casos confirmados, dos quais 113 pacientes estão na UTI. Até agora, 58 mortes foram registradas. A taxa de letalidade em SC (2%) é menor do que a gaúcha (4%). No Rio Grande do Sul, até 5 de maio, eram 2.019 casos, 92 pacientes em leitos de alta complexidade e 83 mortes.
Ao mesmo tempo em que a doença avança, SC trocou o comando de enfrentamento a pandemia por suspeitas de irregularidades. Helton de Souza Zeferino pediu exoneração do cargo de secretário de Saúde um dia depois da Assembleia Legislativa aprovar por unanimidade um pedido de afastamento imediato devido a indícios de irregularidades na compra de 200 respiradores artificiais por R$ 33 milhões. O valor já foi pago à empresa fornecedora mas os respiradores ainda não foram entregues. Na terça-feira (5), o ex-secretário adjunto, o médico gaúcho André Motta Ribeiro, natural de Cacheira do Sul, assumiu a pasta.
Há uma falsa sensação que a covid-19 não chegou aqui. As pessoas não estão se dando conta principalmente porque o número de mortes ainda é baixo. Tem acontecido muitas festas escondidas, as pessoas usam máscara de forma errada, usam luvas mas não lavam as mãos. Estão minimizando o risco
CAROLINA PONZI
Membro da diretoria da Sociedade Catarinense de Infectologista
— Estamos aqui para dar continuidade ao trabalho altamente qualificado realizado até aqui. Vivemos um momento de adversidade e todo o foco precisa estar em expandir a nossa rede hospitalar para que nenhum catarinense fique sem o tratamento adequado — disse na posse.
A doença avança especialmente no sul catarinense, que já registra 584 casos e 18 óbitos, e na Grande Florianópolis, que tem 523 casos e 12 mortes. A superintendente de Vigilância em Saúde do Estado Raquel, Ribeiro Bittencourt, afirma que ainda não é perceptível crescimento exponencial de casos relacionados com a flexibilização da quarentena. Segundo ela, a disparada dos casos em diversas cidades se deve à utilização de testes rápidos adquiridos pelos municípios:
— Uma preocupação é com o Dia das Mães que se a aproxima e a grande procura das famílias por restaurantes. Estamos redobrando a fiscalização neste momento.
A Vigilância Epidemiológica gaúcha informou que está atenta ao movimento de pessoas na divisa entre os Estados para prevenir eventuais surtos do coronavírus e evitar uma disseminação maior da doença. Desde 1º de abril, está proibido o ingresso e a circulação, em todo o território do Rio Grande do Sul, de veículos de transporte coletivo de passageiros, públicos e privados, vindos de outros Estados ou de países.
Na contramão das demais cidades catarinenses, a prefeitura de Florianópolis foi a única que segurou o comércio fechado por mais uma semana, depois que Moisés liberou a abertura total do comércio. O prefeito Gean Loureiro tem adotado uma postura mais cautelosa ao abordar o tema e não descarta novas restrições se os números indicarem piora nos casos na Capital.
— Ainda é prematuro dizer que a abertura do comércio refletiu no aumento de casos. Mas é notório que toda eliminação de restrição amplia a contaminação. A decisão não pode ser tomada com base na pressão de setores, mas de conhecimento técnico. Foi por isso que Florianópolis entendeu que quando houve liberação do Estado, se mantivesse as restrições aqui. Santa Catarina testa muito menos que Florianópolis e vem numa crescente de números de casos. O tempo tem mostrado que as decisões tomadas aqui nos trouxeram um cenário mais positivo — disse Loureiro em entrevista à Rádio Gaúcha na terça-feira (5).
No entendimento da infectologista e membro diretoria da Sociedade Catarinense de Infectologista Carolina Ponzi, alguns fatores explicam o alastramento da doença. Até a primeira quinzena de abril, foi possível manter o isolamento com certa facilidade, mas a partir do anúncio da liberação do comércio, a população entendeu que podia retomar a vida normal. Nesse mesmo período, Santa Catarina passou a testar mais, confirmou mais casos, mas com menor gravidade:
Estamos pagando o preço pelo nosso sucesso inicial. Há um pensamento que começamos muito cedo as medidas de contenção, mas acredito que foram tomadas proporcionalmente às circunstâncias. As pessoas acham que a doença não vai chegar até nós, mas temos momentos distintos da epidemia em diferentes cidades.
LUIS HENRIQUE MELLO
Professor de infectologia da Univille e coordenador do Centro de Triagem do Coronavírus em Joinville
— Tudo isso deu uma falsa sensação que a covid-19 não chegou aqui. As pessoas não estão se dando conta principalmente porque o número de mortes ainda é baixo. Tem acontecido muitas festas escondidas, as pessoas usam máscara de forma errada, usam luvas mas não lavam as mãos. Estão minimizando o risco — afirma a profissional que vive em Chapecó.
Professor de infectologia da Univille e coordenador do Centro de Triagem do Coronavírus em Joinville, Luis Henrique Mello entende que a curva de contágio foi achatada até a liberação das atividades econômicas. Agora, o cenário mudou. Em Joinville, por exemplo, até 21 de abril, o número de casos vinha dobrando a cada 20 dias. Do dia 22 em diante, com a abertura de shoppings, o total de infectados tem aumentado 100% a cada 10 dias. A cidade tem 218 casos e seis óbitos.
— Estamos pagando o preço pelo nosso sucesso inicial. Há um pensamento que começamos muito cedo as medidas de contenção, mas acredito que foram tomadas proporcionalmente às circunstâncias. As pessoas acham que a doença não vai chegar até nós, mas temos momentos distintos da epidemia em diferentes cidades — afirma Mello.
Cientistas projetam 4 mil casos até domingo
Médico sanitarista e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Osvaldo Vitorino Oliveira avalia que faltou preparo da população para adoção das medidas de higiene e isolamento:
Percebemos que a contaminação começou por Florianópolis, se espalhou por toda faixa litorânea, tendo a BR-101 como fator preponderante de disseminação do vírus. Após muitas semanas de concentração no litoral, o percentual de casos está aumentando no Interior.
ANDRÉ LOURENÇO NOGUEIRA
Engenheiro químico, integrante de um grupo de pesquisadores formados por três universidades catarinenses
— Em nenhuma dessas grandes medidas, como restrição social e uso de máscaras, houve preparo sobre a importância e a obrigatoriedade disso. Para ter impacto epidemiológico, é preciso deixar claro que é necessário. Isso foi uma falha das autoridades em todos os níveis.
Sem adesão às orientações, a prefeitura de Chapecó criou nesta semana um canal de denúncias para quem flagrar pessoas confirmados ou com suspeita de coronavírus que não estejam seguindo o isolamento. O telefone atende diariamente das 7h às 19h. Ao receber a notificação da doença, o paciente assina um termo com todas as orientações de cuidado e fica ciente quanto a possíveis multas se descumprir.
Integrante de um grupo de pesquisadores formados por três universidades catarinenses – UFSC, Univali e Univille – que executam cálculos matemáticos de projeção dos casos e avaliam a evolução da doença, o engenheiro químico André Lourenço Nogueira diz que só será possível medir o impacto da reabertura econômica se houver aumento no número de óbitos, o que pode começar a se confirmar a partir da próxima semana.
Com base nos dados oficiais dos últimos 15 dias, o grupo de cientistas roda um modelo matemático e gera uma projeção de quantidade de casos. Se a tendência de crescimento da doença seguir, Santa Catarina terá 4 mil testes positivos até domingo (10).
— Percebemos que a contaminação começou por Florianópolis, se espalhou por toda faixa litorânea, tendo a BR-101 como fator preponderante de disseminação do vírus. Após muitas semanas de concentração no litoral, o percentual de casos está aumentando no Interior - descreve.