- Modelo desenvolvido no RS busca salvar vidas enquanto também procura preservar a economia
- Estado é dividido em 20 regiões e a atividade econômica é organizada em torno de 12 setores
- Adesão da sociedade é crucial para nível de sucesso do plano de distanciamento controlado
O Rio Grande do Sul vai colocar em prática, a partir de segunda-feira (11), um plano inédito de enfrentamento da covid-19 sob o olhar atento de outras regiões do Brasil e de organismos internacionais.
O interesse, que já levou representantes de pelo menos outros sete Estados a procurar detalhes da nova estratégia, é motivado pela busca de soluções contra a pandemia que atendam a um dos maiores desafios trazidos pelo coronavírus ao mundo: salvar vidas ao mesmo tempo em que se busca preservar a economia. Para especialistas, a iniciativa gaúcha tem potencial para apontar um novo rumo ao país na luta contra a doença, mas precisa superar obstáculos como a adesão da sociedade às medidas previstas, limites na capacidade de testagem e risco de sobrecarga na rede de atendimento com a aproximação do inverno.
O chamado distanciamento controlado, que deverá ser apresentado de forma mais detalhada neste sábado, prevê diferentes níveis de alerta por região — que resultam em restrições mais ou menos severas à mobilidade social — com base na taxa de transmissão da doença e na capacidade de atendimento de cada local. Também estabelece ações de prevenção específicas conforme o tipo de atividade econômica e sua relevância.
É uma alternativa mais maleável a políticas impostas recentemente por países europeus engolidos pela primeira onda do vírus, como Espanha e Itália, que incluíram a proibição generalizada da circulação de pessoas por até dois meses. Para chegar a esse plano, dois estudos internacionais publicados em abril serviram de alicerce: "Como reabrir economias nacionais durante a crise do coronavírus", da consultoria americana McKinsey & Company, e "Restrição do contato social durante a pandemia de covid-19: risco de transmissão e benefício social de lugares nos EUA", do Massachusetts Institute of Technology (MIT).
— É algo muito na vanguarda. O material do MIT não é nem um artigo publicado ainda, é algo preliminar da escola de negócios deles — afirma a secretária estadual de Planejamento, Orçamento e Gestão, Leany Lemos, uma das principais articuladoras da estratégia.
O trabalho da McKinsey diz: "a ameaça da COVID-19 para vidas e meios de subsistência será totalmente resolvida apenas quando um número suficiente de pessoas estiver imune à doença. Até lá, os governos que quiserem reiniciar suas economias devem ter sistemas de saúde pública suficientemente fortes para detectar e responder aos casos existentes. Dito isso, ao reconhecer diferenças entre regiões e setores, governos conseguem colocar pessoas de volta ao trabalho mais rápido e preservar nossa subsistência". Para fazer isso sem aumentar o risco à vida, pressupõe pré-requisitos: rede de atendimento hospitalar adequada (principalmente UTIs), exames de covid-19 com resultado rápido, identificação e isolamento de doentes e conscientização da população. O material do MIT mensura os riscos à segurança e a relevância social de diferentes lugares e atividades, como restaurantes, parques ou escolas.
Para adaptar essas avaliações ao Rio Grande do Sul, o governo contou ainda com uma parceria com a consultoria Comunitas, que já atuou com a prefeitura de Porto Alegre em uma relação polêmica — representantes de servidores e vereadores de oposição questionaram o acordo na Justiça. Segundo Leany, o Estado não teve qualquer desembolso com a Comunitas.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
A proposta gaúcha para a crise mundial do coronavírus, capaz de abalar potências desde a China comunista até pilares do capitalismo moderno como Estados Unidos e Alemanha, desperta interesse dentro e fora do país. Representantes de pelo menos sete Estados, como Amazonas, Santa Catarina, Pernambuco, Rio de Janeiro e Alagoas, já buscaram o Piratini em busca de mais informações.
— O Ministério da Saúde e a Casa Civil estão olhando com muita atenção o que está se fazendo no Rio Grande do Sul. Braga Neto (ministro-chefe da Casa Civil) ficou bem impressionado com uma apresentação sobre o Estado, e Porto Alegre está muito bem em comparação com outras capitais entrando em colapso — revela o ex-secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde, o gaúcho Erno Harzheim, que deixou o cargo no final de abril.
Organizações internacionais como a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) também deverão avaliar a experiência a ser realizada no sul do Brasil — junto com outras iniciativas ao redor do planeta.
— Não fazemos avaliações se a implementação está correta ou não durante a emergência, mas avaliações serão feitas posteriormente — afirma o vice-diretor da Opas, Jarbas Barbosa.
Se conseguir vencer os gigantescos desafios à frente, o modelo gaúcho poderá ser exibido como uma façanha diante de uma das maiores crises recentes da humanidade. Não será fácil.
— Será complicado. Se fosse fácil, não estaríamos nessa situação no mundo inteiro — resume Harzheim.
O que cada um pode fazer
Diferentes setores da sociedade contribuem para manter a curva de casos e a demanda da estrutura de saúde sob controle
Cidadão
- Ficar em casa sempre que possível e usar máscara de maneira adequada (cobrindo nariz e boca) ao se deslocar. Espirrar ou tossir em um lenço ou no cotovelo
- Lavar as mãos com frequência ou usar álcool gel
- Evitar qualquer tipo de aglomeração e não se aproximar de pessoas com sintomas gripais
Empresários
- Seguir à risca as determinações de funcionamento de lojas, serviços e indústrias em relação à possibilidade de abertura ou necessidade de fechamento
- Seguir as regras determinadas pelo plano de distanciamento, como horários de funcionamento, eventual limitação no número de funcionários e protocolos de higienização para cada setor de atividade, entre outras medidas
Gestores hospitalares
- É fundamental que mantenham abastecido em tempo real o sistema informatizado que informa número e disponibilidade de leitos hospitalares em todo o Estado — uma das principais ferramentas de análise do impacto da covid-19
Gestores municipais e estaduais
- Garantir uma política de testes suficiente para monitorar a pandemia. O ideal é que também permitisse o rastreamento de todos os novos casos
- Garantir continuidade da ampliação de leitos, equipamentos de proteção e de respiradores enquanto se busca achatar curvas de casos e de óbitos
- Oferecer informação completa e adequada à população sobre situação da pandemia, medidas locais de combate ao vírus e orientações de prevenção