Porto Alegre foi o lugar onde a covid-19 ganhou impulso inicial no Rio Grande do Sul, mas ao longo de abril a pandemia vem crescendo em um ritmo três vezes mais rápido no Interior do que na Capital.
A interiorização do coronavírus espalha novos focos de contaminação em cidades como Passo Fundo, Lajeado e Marau e coloca pressão sobre a rede de atendimento hospitalar, que já apresenta taxas de ocupação das UTIs acima de 80% em alguns municípios, segundo levantamento da Secretaria Estadual da Saúde (SES).
No começo do mês, a Capital registrava 190 casos confirmados de covid-19, enquanto todo o restante do Estado somava 115 ocorrências. Menos de um mês depois, a quantidade de notificações cresceu 2,3 vezes na metrópole, mas se multiplicou 7,3 vezes nas demais cidades até o começo da tarde desta terça-feira (28). Ou seja, a velocidade com que o vírus se espalha fora de Porto Alegre chega a ser três vezes maior. No momento da publicação desta reportagem, eram 1.286 casos confirmados no Rio Grande do Sul, 439 na Capital.
Como resultado disso, a proporção de casos se inverteu em relação ao início do mês e segue uma nova tendência: as notificações no Interior saltaram de 38% dos registros para 62% no dia 25 e, nesta terça, já atingiam 66% em comparação a 34% entre os porto-alegrenses. O número de cidades engolidas pela pandemia também vem aumentando. Eram 51 em 1º de abril, e no meio-dia de terça somavam 131 — o equivalente a um quarto do Estado.
— Há cidades do Interior que não adotaram medidas de isolamento, ou tiveram um comportamento mais relaxado em relação à determinação de manter as pessoas em casa. Em Lajeado, por exemplo, houve muitas informações sobre pessoas nas ruas. Agora as UTIS estão ficando lotadas — analisa o infectologista do Hospital Conceição André Luiz Machado da Silva.
Para a infectologista de Caxias e membro da direção da Sociedade Brasileira de Infectologia Lessandra Michelim, a reabertura parcial de indústrias e lojas em alguns lugares nas últimas semanas pode não ter sido acompanhada pelas melhores práticas de higiene e prevenção.
— Pelo que tenho visto, muitas empresas voltaram de qualquer jeito, sem todos os funcionários usarem máscaras, ou com álcool gel disponível mas sem utilização. Está faltando educação às pessoas para lidar com a flexibilização do distanciamento que tanto queriam — opina a especialista.
Pelos dados disponíveis até o fechamento da reportagem, das cinco cidades com mais exames positivos para coronavírus, quatro ficavam fora da Região Metropolitana: Passo Fundo e Marau, no Norte, Lajeado, no Vale do Taquari, e Caxias, na Serra.
Na metade do mês, o governo estadual aliviou restrições ao funcionamento do comércio com exceção das regiões Metropolitana e da Serra – que posteriormente acabou contemplada. Naquele momento, Porto Alegre, que tem 13% da população gaúcha, apresentava 45% dos casos de covid-19.
Mais tarde, o governador Eduardo Leite anunciou o projeto de implantar o chamado “distanciamento social controlado”, que vai estabelecer regras para cada região conforme o andamento da pandemia e a ocupação dos hospitais a partir de maio.
— Não vai adiantar simplesmente abrir o portão e voltar a trabalhar como se fazia antigamente. É preciso criar protocolos de higienização, usar máscaras, se ausentar se apresentar sintomas. Pelo que estamos vendo, a reabertura terá de ser lenta, ou a situação poderá ficar pior — alerta Machado.
Aumento de casos gera preocupação com rede de atendimento
Uma das preocupações de profissionais da saúde com o avanço do coronavírus rumo ao Interior gaúcho é pelo risco de uma eventual sobrecarga da rede de atendimento hospitalar. A maior fatia dos 1.712 leitos de UTI contabilizados pela Secretaria Estadual da Saúde fica na Capital — onde se encontram 676 dessas vagas, ou 39%. A situação também desperta temor entre gestores da Saúde na Capital, já que cerca de 40% das pessoas internadas em alas de alta complexidade costumam vir de outros municípios.
O sistema de monitoramento informatizado das SES indicava, até o começo da tarde de terça, uma ocupação superior a 80% nos leitos de UTI em 19 cidades, incluindo centros de referência como Passo Fundo, Pelotas, Lajeado e Santa Cruz do Sul.
— Temos UTIs excelentes em cidades como Santa Maria, Rio Grande e Caxias, que são capazes de suprir a demanda das suas populações. Mas se muitas cidades menores, que não contam com UTI, precisarem usar essas vagas, talvez nem todos consigam um leito — cogita a infectologista Lessandra Michelim.
No começo da semana, por exemplo, todos os 13 leitos de UTI do Hospital Bruno Born, de Lajeado, reservados para atender a pandemia estavam com pacientes com diagnóstico ou suspeita de covid-19 após surtos iniciados em frigoríficos da região.
Um dos agravantes, conforme o infectologista do Hospital Conceição André Luiz Machado da Silva, é que o tempo de internação de pacientes com o coronavírus em UTIs costuma ser extenso. No Conceição, por exemplo, a média fica em cerca de 12 dias (em comparação com uma hospitalização média de seis dias em camas de enfermaria). Como há uma baixa rotatividade nas vagas de terapia intensiva, um crescimento significativo no número de ocorrências pode levar mais facilmente à sobrecarga onde há menos infraestrutura.