Ao longo deste mês, a pandemia de covid-19 sofreu mudanças de perfil no Rio Grande do Sul. O registro de novos casos cresceu mais entre a população com menos de 60 anos ao mesmo tempo em que inverteu a proporção de pacientes na Capital e no Interior — no começo de abril, 62% dos doentes estavam em Porto Alegre, número que agora se aplica aos demais municípios gaúchos, enquanto o percentual na metrópole recuou para 38% dos exames positivos.
No primeiro dia do mês, quando GaúchaZH realizou um levantamento inicial sobre os portadores no novo vírus, as faixas etárias mais atingidas eram as de pessoas entre 30 e 39 anos e os sexagenários, ambas com 19% das confirmações cada. Desde então, enquanto essa taxa caiu para 16% entre os idosos até 69 anos, cresceu para 21,5% entre quem está no intervalo dos 30 anos — perfil que se isolou como o mais suscetível a desenvolver sintomas com alguma gravidade a ponto de ser testado para o coronavírus no Estado (embora represente 14,5% da população gaúcha).
Quando se agrupam as faixas etárias em dois blocos abaixo e acima dos 60 anos, confirma-se que a covid-19 de forma geral vem se alastrando a um ritmo superior entre os mais jovens. Esse grupo ampliou sua participação no universo de doentes em cerca de três pontos percentuais e passou a responder por quase 73% das contaminações notificadas até a tarde deste sábado (25) (veja os números detalhados no gráfico abaixo). Já os idosos, sob uma velocidade mais moderada de disseminação do coronavírus, passaram a representar 27% dos doentes enquanto somavam pouco mais de 30% no começo do mês.
Uma das possíveis explicações para essa lenta mas progressiva mudança no perfil da pandemia é o nível de adesão ao distanciamento social adotado ainda em março e às demais medidas de prevenção. Jovens adultos estão mais sujeitos a ter de sair de casa para trabalhar ou fazer compras do que os mais velhos, por exemplo.
— Pode até ser um pouco de exagero, mas eu estou de quarentena e nem meus netos ou meus filhos me visitam — exemplifica o professor de epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e assessor do Hospital de Clínicas Jair Ferreira, 72 anos.
A mudança também deixa a distribuição do coronavírus um pouco mais semelhante à pirâmide etária no Rio Grande do Sul, onde 81% da população tem menos de 60 anos e 19% são idosos, conforme estimativa de 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ferreira faz a ressalva de que os velhos seguem como os mais sujeitos a complicações que resultam em morte: dos 34 óbitos anunciados até a tarde de sábado, 28 ocorreram nessa fase da vida.
Outra característica assumida pela pandemia, essa de forma mais significativa, é a interiorização. Se no começo do mês seis em cada 10 casos estavam na Capital, agora são os municípios do Interior que somam essa proporção. Isso se explica pelo caminho natural do vírus na sociedade: chega pelos grandes centros, onde há mais meios de transporte e circulação de pessoas, e daí se espalha para centros urbanos menores. O epidemiologista lembra que ainda há espaço para a doença seguir seu rumo aos rincões do Rio Grande, já que, até o final de semana, 113 cidades haviam notificado algum caso da doença - ou seja, 77% dos municípios ainda não tinham confirmação de doentes.
— Era esperado que isso ocorresse, pelo percentual da população que está presente na Capital e no Interior. Hoje já vemos inclusive outros centros urbanos com um índice de casos por habitante superior ao de Porto Alegre — observa Ferreira.
A Capital tinha 28 registros por cem mil habitantes até sábado, contra 37 em Passo Fundo ou 89 em Marau, por exemplo.