Com os casos de covid-19 em franca ascensão pelo país, algumas cidades brasileiras começam a experimentar, nesta semana, um cotidiano de circulação ainda mais restrita do que aquela que vinha sendo adotada por estados e municípios. Cidades do Maranhão, do Pará, do Ceará e bairros do Rio de Janeiro já adotaram o chamado lockdown, face mais drástica do distanciamento social, para tentar conter a disseminação da doença.
O bloqueio total é o mais incisivo tipo de distanciamento porque implica a paralisação de uma cidade, estado ou país, a interrupção de deslocamento e a manutenção somente de atividades entendidas como essenciais. Em entrevista coletiva na tarde desta quarta-feira (6), o ministro da Saúde, Nelson Teich, admitiu que a pasta poderá recomendar a adoção da medida em alguns lugares do Brasil. Para isso, segundo Teich, serão observados três fatores: a alta incidência de pacientes infectados, problemas na infraestrutura, a falta — ou pequena quantidade — de leitos disponíveis nos hospitais e a tendência de elevação no número de casos na região.
— O que é importante é que se discuta as estratégias de acordo com a situação de cada lugar. Ele vai ser importante em momentos em que a situação estiver muito difícil: alta incidência, baixa capacidade de leitos, aumento da quantidade de pessoas chegando aos hospitais. Aí é muito importante também que a gente consiga ver como conduzir aqueles que não vão ficar presos, pois sempre vão ter serviços essenciais — disse.
Em um boletim epidemiológico divulgado no mesmo dia entrevista, a pasta defendeu que “países que implementaram, conseguiram sair mais rápido do momento mais crítico”. Antes das diretrizes do Ministério da Saúde, que ainda não foram divulgadas, prefeitos e governadores de locais onde o coronavírus causou grande número de mortes e já compromete o serviço de saúde resolveram se adiantar, adotando o sistema mais restritivo. Dos nove estados que, juntos, concentram 90% das mortes no país, cinco já anunciaram regras mais rígidas de distanciamento e outros cogitam adotar a medida (veja no mapa ao final da reportagem).
Na avaliação do vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Alberto Chebabo, o lockdown é necessário quando o número de internações chega perto de comprometer a rede de atendimento. A restrição deve perdurar pelo tempo necessário para que o sistema consiga se reestruturar para receber novos pacientes. Nas cidades brasileiras que anunciaram a medida, a previsão inicial é de que o bloqueio perdure por um período de 10 a 20 dias.
— É uma medida realmente eficaz e importante. Estamos recomendando, pelo aumento do número de casos, em regiões onde houve redução do distanciamento e onde há pouca cobertura hospitalar. Talvez não seja necessário em toda a cidade, porque adotar em alguns pontos pode fazer com as que as pessoas diminuam a circulação em outras regiões — diz.
Um relatório da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) enviado ao governo do Estado e à prefeitura do Rio de Janeiro na quarta-feira (6) foi assertivo na defesa de adoção de medidas mais rígidas de isolamento. Segundo a Fiocruz, a demora na adesão ao lockdown “resultaria em uma catástrofe humana de proporções inimagináveis para um país com a dimensão do Brasil”. A nota sugere que, enquanto não houver vacina, ações desse tipo podem ser usadas de forma intermitente por um período de 18 a 24 meses.
Embora implique, necessariamente, um enrijecimento das medidas restritivas, cada cidade ou estado é livre para definir o formato do bloqueio total. No Rio de Janeiro, por exemplo, a opção inicial foi pelo fechamento de alguns bairros da zona oeste da cidade, onde a situação é mais crítica. Mesmo entendimento teve a prefeitura de Salvador, onde o lockdown em algumas regiões deve ter início no fim de semana. Também fica a critério de cada local decidir se haverá ou não punição para quem infringir as normas restritivas impostas durante o período.
Restrições à circulação e multa
O primeiro estado a adotar o lockdown foi o Maranhão, desde terça-feira (5). Na capital São Luís e nos municípios de Paço do Lumiar, São José de Ribamar e Raposa, na Região Metropolitana, estão suspensos todos os serviços não essenciais e a entrada e saída de veículos particulares. Além disso, a circulação de pessoas na rua exige o uso de máscaras de proteção. Os moradores desses locais só podem sair de casa para comprar alimentos, medicamentos e material de limpeza. A medida decretada pelo governador Flávio Dino (PCdoB) valerá por dez dias, e quem descumpri-la pode ser multado.
No Ceará, terceiro Estado do país com mais casos da doença, atrás de São Paulo e Rio de Janeiro, Fortaleza também passará a limitar a circulação de pessoas dentro da cidade, restringirá entradas e saídas e fará o controle do trânsito de pessoas e veículos. A mudança passa a valer a partir de sexta-feira(8), e, inicialmente, terá duração de 20 dias.
Até esta semana, medidas de lockdown haviam sido adotadas pelo Reino Unido e por países como a África do Sul, a Índia, a Bélgica, a França e Singapura, onde seguem em vigor. Primeiro local a ser afetado pelo coronavírus, a cidade de Wuhan, na China, estabeleceu a política de proibição de pessoas pelas ruas por 11 semanas. Seu fim foi anunciado nesta terça-feira (7), quando os 11 milhões de habitantes do município passaram a ter liberdade de entrar e sair da cidade sem pedir autorização.