Centenas de pessoas foram, na noite desta terça-feira (7), à estação de trem de Wuhan, onde teve início a pandemia da covid-19, prontas para deixar a cidade após dois meses de confinamento absoluto, constataram jornalistas da AFP. Por via rodoviária, centenas de pessoas deixaram a cidade. Mas a previsão era de um movimento muito maior: segundo o operador do sistema ferroviário chinês, 55 mil pessoas planejavam partir de Wuhan de trem.
À 0h de quarta-feira (13h desta terça em Brasília) foram suspensas as restrições que impediam a saída desta metrópole de 11 milhões de habitantes, um passo fundamental para o fim da crise de saúde na China. As pessoas que estavam em Wuhan em 23 de janeiro acordaram naquele dia "presas" na cidade. As autoridades tinham decidido que ninguém poderia sair até nova ordem.
Na estação de trem, a agitação reinava entre os que esperavam seu trem para ir embora.
— Faz 77 dias que estava preso! — exclamou um homem que não quis dar seu nome, impaciente para voltar a Changsha, a cerca de 350 quilômetros de distância.
Dois policiais lembravam aos viajantes das medidas de higiene e a necessidade de manter um metro de distância, enquanto os alto-falantes transmitiam mensagens chamando Wuhan de "cidade de heróis".
Nesta terça-feira, pela primeira vez em meses a China informou que não houve nenhuma morte vinculada à covid-19. Wuhan é a cidade que mais sofreu com a pandemia: mais de 2,5 mil pessoas morreram em hospitais, de um total de pouco mais de 3,3 mil em todo o país.
O novo coronavírus apareceu em Wuhan no final de 2019. Muitos dos casos pareciam vinculados a um mercado com todos os tipos de alimentos à venda, desde peixes e frutos do mar até animais selvagens.
O confinamento foi total, até que as autoridades anunciaram que o surto da nova doença havia sido interrompido. Pouco a pouco, a proibição de sair de casa foi sendo levantada em Wuhan. E, depois, nos entornos da cidade.
No entanto, o número de voos e trens que saem é limitado no momento. Além disso, as autoridades locais mantêm certas restrições para impedir uma segunda onda da pandemia.
Como sinal de sua vigilância, a prefeitura retirou o apelo "sem epidemia" para 70 áreas da cidade, criado para recompensar os esforços dos habitantes. As autoridades locais justificaram essa decisão devido à descoberta de pessoas assintomáticas, ou seja, que não mostraram nenhum sinal da doença, como tosse ou febre, mas que ainda podem transmitir o vírus.
A China relatou seu primeiro morto em 11 de janeiro. Desde então, cerca de 82 mil pessoas foram infectadas, de acordo com dados oficiais.
Volta da rotina ainda distante
Apesar do afrouxamento nas regras de quarentena, a volta da rotina ainda é distante, como retrata o jornal The New York Times. A reportagem aponta que a cidade chinesa sai profundamente ferida depois de ter sido o foco do coronavírus, que se espalhou pelo mundo nos meses seguintes.
O trauma da doença e das mortes poderá durar por décadas, aponta o NYT. Ao mesmo tempo, porém, o fim da quarentena marca uma reviravolta na imagem de Wuhan e até da China. Quando a metrópole foi totalmente fechada, as acusações contra a medida, chamada de ditatorial, chegaram de todas as partes. Mas, no fim, provou-se acertada e foi seguida por inúmeras cidades ao redor do planeta.
Yan Hui, um morador de Wuhan de 50 anos, deu um depoimento ao NYT sobre o sentimento de quem vive no que foi o epicentro do vírus:
— Amigos ficaram doentes. Amigos e parentes de amigos morreram em frente aos seus olhos. Um por um, eles nos deixaram.
Nem tudo voltou ao normal na cidade. Escolas seguem fechadas, enquanto o governo segue pedindo para que as pessoas permaneçam dentro de casa, se possível. Os sistemas de transporte voltaram a operar, mas ainda se percebe que faltam passageiros. Aos poucos, as empresas começam a chamar seus empregados de volta ao trabalho — 94% delas tinham paralisado as atividades.
Como se não bastasse, o governo monitora os movimentos dos habitantes por meio de um aplicativo de celular para identificar se há aproximação com pessoas doentes. É um cenário que demonstra que a rotina se mantém distante de retomar o curso natural. Outro fator que terá de ser recuperado é a confiança. Helen Ding, 47 anos, comentou:
— O mundo inteiro está em mau estado. Assim como em relação ao futuro, ninguém tem muita confiança.
Com tanta desconfiança, é preciso ir aos poucos. Yan Hui dá a receita para a recuperação da vida normal: saúde e família primeiro. Depois, pode-se pensar em trabalho, em carreira, em sucesso.