- Taxas de incidência do vírus e de mortalidade no RS são as sextas menores do país
- Modelo do RS permite adaptações regionais, o que é considerado positivo para evitar lockdown
- Para suprir baixa testagem, estratégia apoia-se em estudo de amostragem da UFPel
Especialistas ligados à área da saúde de dentro e de fora do Estado veem o plano gaúcho de distanciamento controlado para enfrentar a covid-19 como promissor, mas reconhecem obstáculos. Entre eles, estão a limitação na capacidade de testagem, o número de mortes ainda em elevação e o provável aumento na ocupação das UTIs com a chegada do inverno. O esgotamento dos 1,7 mil leitos de terapia intensiva no Rio Grande do Sul, conforme indica a experiência internacional, poderia multiplicar em 10 vezes o número de mortes — que até sexta-feira (8) estava abaixo de cem diante de mais de 9 mil em todo o país.
A principal vantagem da nova estratégia, conforme o integrante da Sociedade Brasileira de Infectologia Renato Grinbaum, de São Paulo, é permitir adaptações conforme a região em vez de impor fechamentos generalizados (como no lockdown espanhol ou italiano, por exemplo).
— Ter cidades ou regiões com regras para cada situação está perfeito. Mas, por enquanto, escolas, festas, atividades públicas como futebol devem seguir sob restrição geral — opina Grinbaum.
A Alemanha, um dos países analisados pelos técnicos gaúchos para desenhar o modelo próprio, adotou um sistema semelhante: mantém regras gerais, como preservar uma distância de um metro e meio entre as pessoas em público, mas permite a cada região definir o grau de abertura da economia com base na evolução da doença e na capacidade de atendimento.
Há um mecanismo também similar ao sistema rio-grandense de bandeiras de alerta: se 50 novas infecções por 100 mil habitantes forem detectadas em uma semana, os alemães têm de retomar as restrições. A estratégia do Rio Grande do Sul, que prevê lockdown em último caso, é ver a si mesmo como uma espécie de Alemanha dentro do Brasil.
— Estamos tratando o Estado como se fosse um país — afirma a secretária estadual do Planejamento, Orçamento e Gestão, Leany Lemos.
Mas há diferenças. Os europeus estão saindo do inverno e com queda progressiva no número de novas mortes, enquanto os gaúchos vão entrar no período mais frio — quando a ocupação das UTIs por problemas respiratórios em geral aumenta. Hoje, a ocupação está pouco acima de 70%, e algo acima de 80% já é motivo de preocupação. O número de novos casos caiu 10% na soma de uma semana (até quarta-feira, 6) em comparação com o período anterior, mas o número de mortes cresceu 46%.
— Imaginamos que a situação nos hospitais pode chegar perto do limite no final de maio, começo de junho. O plano do governo é adequado, mas é importante manter o distanciamento social, a etiqueta respiratória e deixar as crianças sem aula por enquanto — avalia o chefe do setor de Infectologia do Hospital de Clínicas, Eduardo Sprinz.
Em uma live transmitida na sexta-feira (8), o governador Eduardo Leite afirmou que o governo estadual pretende comprar vagas em hospitais privados se o SUS não for suficiente para dar conta da demanda provocada pela pandemia.
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Capacidade de testagem diferencia gaúchos e europeus
Uma diferença significativa entre o plano de distanciamento do Rio Grande do Sul e a estratégia adotada em países europeus é o nível de testagem. Alemanha e Inglaterra, por exemplo, têm como objetivo testar todo caso suspeito para identificá-lo, mantê-lo em isolamento e rastrear outros possíveis contaminados para evitar novas ondas do vírus. Essa é uma das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) para flexibilizar quarentenas, e sua adoção poderia aumentar o nível de segurança do sistema desenhado pelo Piratini.
— Para relaxar medidas de distanciamento, recomendamos a interrupção da transmissão (comunitária) e um plano por etapas com períodos de 14 dias entre elas, capacidade de testar todo caso suspeito e monitorar a capacidade hospitalar — explica o vice-diretor da Opas, Jarbas Barbosa.
O governo gaúcho deverá atualizar a situação em cada uma das 20 regiões semanalmente, quando poderá avançar ou recuar nas liberações. Mas, para o sistema funcionar bem, será fundamental que os gestores hospitalares informem com agilidade e exatidão a quantidade de leitos e as taxas de ocupação.
Em relação aos exames, conforme a secretária Leany Lemos, o Piratini conta com os testes realizados por amostragem sob coordenação da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), já que no momento não há como garantir a universalização da testagem. O reitor da UFPel, Pedro Hallal, afirma que os exames são capazes de orientar as ações estratégicas ao indicar a dimensão da pandemia a cada momento no Estado. A última rodada de análises estimou cerca de 15 mil infectados no Rio Grande do Sul.
— O modelo do Rio Grande do Sul é baseado em inteligência epidemiológica. Isso é algo muito positivo, que outros Estados deveriam fazer — diz Hallal.
De maneira geral, os especialistas avaliam que boa parte do sucesso ou do fracasso do plano gaúcho vai depender da adesão da sociedade às normas previstas e à manutenção das regras básicas de prevenção.
— O Rio Grande do Sul, como os demais Estados do Sul, tem uma rede forte de atendimento por regiões, ainda que não tenhamos todos os respiradores necessários. Mas é fundamental, como cidadãos, que todos façam a sua parte. O coronavírus é um inimigo comum, que só será vencido se todos agirem juntos — resume a deputada federal Carmen Zanotto (Cidadania-SC), relatora da comissão de ações de prevenção e combate ao coronavírus na Câmara.