A estiagem pela qual o Rio Grande do Sul passa está perto de superar, em extensão, a de 2012. Oito anos atrás, na última vez que a escassez generalizada de chuva atingiu o Estado, 381 municípios decretaram situação de emergência por causa do tempo seco. Em 2020, até 8 de maio, o número de prefeituras nesta situação chega a 364. Outras 13 informaram o Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID) e preparam decretos, elevando a 377 o total de localidades afetadas. A Defesa Civil do Estado dá como certo o crescimento da lista nos próximos dias.
— A barreira de municípios afetados deve superar 2012. A estiagem deste ano está mais prolongada que as anteriores. Em termos econômicos, com as perdas no campo, o impacto neste ano já é maior — destaca Júlio Cesar Lopes, coordenador da Defesa Civil no Estado.
Além disso, o número de locais afetados pelo clima adverso neste ano já supera o de 2004, quando 346 decretos de emergência foram registrados. Ainda assim, o cenário atual fica aquém de 2005, quando o Estado teve 294 decretos de emergência pela estiagem e outros de 154 por seca, abrangendo 448 municípios ao todo.
Em 2020, o cenário não pode ser caracterizado tecnicamente como seca, segundo a Defesa Civil. Para chegar a esse nível, o Estado precisaria ter uma ausência prolongada de chuva e ter incapacidade generalizada no abastecimento de água para consumo humano, algo que ainda não ocorre apesar das dificuldades no fornecimento e de casos pontuais de racionamento.
Todas as regiões do Estado registram acumulados de chuva abaixo da média histórica. No ano, a mais afetada foi a Campanha, onde choveu apenas 247,8 milímetros entre janeiro e abril, ficando 302,2 milímetros abaixo da média de 550 milímetros para o período, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Nas sete regiões acompanhadas pelo instituto, em 2020 seis apresentam situação pior do que a verificada na estiagem de 2012.
Motivos da falta de chuva
Por mais que os rios estejam com profundidade reduzida e açudes e barragens permaneçam praticamente secos em diferentes pontos do território gaúcho, conforme indicam os relatórios da sala de situação da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, meteorologistas explicam que não há nenhum fenômeno atípico que justifique a estiagem. Em 2012, por exemplo, o La Niña contribuiu para o quadro de tempo seco.
— Este é um ano neutro. O que está acontecendo é que as frentes frias vindas da bacia do Rio da Prata (entre Argentina e Uruguai), que trazem a chuva, não estão conseguindo avançar muito pelo Estado. Esse é um fator que pode ter influenciado no prolongamento da estiagem — explica Letícia de Oliveira, meteorologista do Inmet.
Nesse sentido, a chuva no Rio Grande do Sul desde o final de 2019 vêm acontecendo de forma irregular. Ou seja, cada curto período de precipitação tem sido acompanhado de semanas de clima seco.
— As frentes frias tentavam passar pelo Estado, mas eram barradas por uma grande massa de ar seco. Elas passavam mais perto do mar e não conseguiam deixar a chuva. Ao chegar, pelo litoral, ao sudeste do país, essas frentes frias se conectavam com a umidade da Amazônia e mantinham a chuva lá, no Centro-Oeste e no Nordeste. Por isso choveu tanto nessas regiões e não aqui — complementa Cátia Valente, meteorologista da Somar Meteorologia.
Em abril, algumas regiões ficaram entre 20 e 25 dias sem registrar precipitação. Cátia destaca que, para maio, a previsão é de chuva com maior frequência, mas dentro da normalidade.
Chuva de maio não deve reverter déficit
Mesmo que chova dentro da média em maio, a tendência é de que o déficit hídrico existente em 2020 nas diferentes regiões do Rio Grande do Sul não seja revertido. Especialista em climatologia e mudanças climáticas e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Francisco Aquino avalia que os níveis dos rios gaúchos deverão seguir críticos nos próximos meses. Isso porque o volume de precipitação só deve voltar a ocorrer com maior intensidade no inverno.
— Existe uma expectativa de que agora volte a chuva, mas ainda não estamos na estação mais favorável para a precipitação. Até junho vejo com preocupação a recuperação do volume e disponibilidade de água nos rios. Até porque o consumo de água vem aumentando no momento da pandemia de coronavírus, com as pessoas em casa e realizando hábitos de higiene com maior frequência — avalia Aquino.
Biólogo e professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Jackson Müller lembra que fenômenos climáticos como estiagem tem se tornado cada vez mais recorrentes e deverão ocorrer novamente no futuro. Apenas nos últimos 20 anos, esta é a quarta vez que o tempo seco causa prejuízos generalizados no Rio Grande do Sul. Sendo assim, Müller aponta que municípios e o Estado deveriam investir mais em estrutura para enfrentar o problema.
— Esses fenômenos são cíclicos e o que vemos é uma descontinuidade em programas e projetos para enfrentar o problema. Municípios e o Estado deveriam fazer ações estruturantes, que permaneçam ao longo das diferentes administrações — salienta.
Decretos de emergência pelo tempo seco*
- 2004 - 346
- 2005 - 448
- 2012 - 381
- 2020 - 364
*Em 2005, foram 294 decretos de emergência pela estiagem e 154 por seca. Em 2020, os números são até 8 de maio.
Fontes: Defesa Civil e Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID)