Álvaro Unchalo, 33 anos, e Édina da Silva, 32 anos, aguardavam no quarto o início do jogo do Inter contra o Ituano pela Copa do Brasil naquele início de noite de agosto de 2015 quando os cachorros começaram a latir nervosamente. O técnico em radiologia se levantou da cama para descobrir o que provocava a balbúrdia no pátio. Estancou na porta: dois assaltantes haviam invadido sua residência em Tramandaí, no Litoral Norte.
– Volta para trás – ordenou um dos jovens, apontando uma arma.
– Vamos com calma que eu estou grávida – pediu Édina, também técnica em radiologia.
A gestante teve as mãos e os pés amarrados com o fio de um carregador de celular. O marido foi contido com toalhas enroladas. Os criminosos, muito alterados, reviravam gavetas e insistiam para saber onde estava o dinheiro.
– Vamos matar vocês! – ameaçavam.
Sem encontrar valores em espécie, roubaram um videogame, luvas de boxe, chinelos, um telefone. Álvaro e Édina ficaram trancados no cômodo. No dia seguinte, uma decisão nunca antes cogitada estava tomada.
– Quero ir embora para bem longe daqui – sentenciou o marido.
A família pensou em se mudar para o Canadá ou os EUA antes de intensificar as pesquisas sobre Portugal, país cada vez mais procurado por cidadãos cansados da rotina de reféns da violência e sedentos de oportunidades de estudo e emprego. Os achados na internet sobre a pequena nação ibérica, com 10,3 milhões de habitantes, eram empolgantes: segurança, qualidade de vida a baixo custo, clima ameno na comparação a outras regiões europeias, igualdade de idioma, uma porta para os encantos do Velho Continente.
Após quase dois anos de planejamento – venderam a casa e dois carros e largaram os empregos –, partiram, em outubro de 2017, rumo ao país que passa atualmente pela quarta onda de imigração brasileira das últimas três décadas.
Ao longo de 10 dias, em maio, GaúchaZH percorreu mais de 1,2 mil quilômetros do norte ao sul de Portugal, visitando nove cidades, para encontrar gaúchos de diferentes perfis e procedências que resolveram deixar o Brasil – os brasileiros compõem a principal comunidade estrangeira residente, de acordo com levantamentos oficiais.
É o jeito mais arriscado e complicado de vir, mas a gente resolveu arriscar. Voltar a morar no Brasil não passa pela nossa cabeça. Nasci para viver aqui.
ÁLVARO UNCHALO
Serralheiro
Em sua primeira viagem internacional, Álvaro, Édina e a filha Eduarda, hoje com dois anos e oito meses, estabeleceram-se em Loures, nos arredores de Lisboa. Estavam dispostos a recomeçar do zero, aceitando empregos em nada relacionados a suas áreas de formação. Sopraram ares promissores, e uma oportunidade apareceu para ele já na primeira semana: assador no Solar do Churrasco, de proprietários portugueses. Em três meses, Álvaro ensinou técnicas para o corte de picanha e o tempo de fogo e criou um prato que, bem aceito pela clientela, incorporou-se ao cardápio: churrasco à brasileira, com medalhões mais grossos de carne, feijão preto, farofa e a sempre presente batata frita, muito apreciada pelos locais.
Mesmo com o sucesso, ele ficou atraído por uma vaga no Algarve, no Sul, como serralheiro, e já está no segundo emprego na área. Édina demorou mais a se estabelecer – percebeu que um preconceito ainda persiste, agarrado à imagem da mulher brasileira. No passado, muitas escolheram Portugal para atuar como garotas de programa, e o estigma não arrefeceu. “Por favor, não me julgue por ser brasileira”, suplicava, em e-mails a possíveis empregadores. Em maio, após concluir um curso de capacitação, ela começou a atuar como massagista em um hotel. Decepcionou-se, e agora ocupa uma vaga temporária de garçonete em um café.
Os dois estão orgulhosos. Admiram-se com os baixos preços de moradia (260 euros, ou R$ 1.153, pela cotação de quarta-feira, é o aluguel, em Algoz, do imóvel simples, mobiliado, com bandeiras do Rio Grande do Sul e do Inter na sala) e alimentação, que cabem em uma remuneração igualmente baixa (Portugal tem um dos menores salários mínimos da Europa, 580 euros).
Em um passeio com a reportagem por Albufeira, uma das mais bonitas cidades costeiras do país, o casal caminhava pelas ruelas repletas de turistas munido de garrafa térmica e chimarrão – o quilo da erva-mate custa até 15 euros –, orgulhoso por despertar olhares curiosos para os estranhos apetrechos. Ele apontava os lugares que conhecia, com pratos de espaguete e costeletas de porco a 6,50 euros. Eduarda já introjetava o vocabulário local, mostrando um “boboio” (comboio), e corrigia os pais, que por vezes ainda chamavam o veículo de trem. Encantado pelo cenário, o pai brincou:
– A diferença de Tramandaí é que aqui não tem funk!
Álvaro e Édina entraram como turistas e agora pleiteiam, com uma pasta cheia de documentos, a autorização de residência. Outros parentes e amigos pretendem executar o mesmo plano.
– É o jeito mais arriscado e complicado de vir, mas a gente resolveu arriscar – explicou ele, otimista com os trâmites burocráticos que ambos têm pela frente. – Voltar a morar no Brasil não passa pela nossa cabeça. Nasci para viver aqui.