Também veterana em terras lusas, Alessandra Maciel Silva, 45 anos, moradora de Almada, separada de Lisboa pelos 2,3 quilômetros da Ponte 25 de Abril, arriscou-se em um plano que, pela cartilha de Paulo Stenzel, estava condenado ao fracasso. Radicada em Portugal desde 2001, a quituteira tentou, três anos atrás, morar no Brasil outra vez. Ela e o marido, o bancário português Ricardo André Louro Mendes, 38, mandaram a mudança de navio e, meses depois, embarcaram com a filha, Beatriz, hoje de quase cinco anos, para a Porto Alegre natal dela. Alessandra ficaria mais perto do pai, e Ricardo André tentaria uma boa colocação no mercado. Queriam começar de novo.
Ele se cadastrou em uma agência de recrutamento. Submeteu-se a uma entrevista para uma vaga em um grande banco de São Paulo, mas seu sotaque, que poderia não ser compreendido pelos clientes, foi um dos empecilhos para a admissão. A família ficou unida por apenas sete meses, até que o bancário resolveu retornar a Portugal.
– Vi um potencial enorme no Brasil, terrenos, recursos naturais. Portugal não tem recursos, vive da paisagem, do clima, do turismo. Temos 10% de indústria e 90% de turismo, e o Brasil tem 90% de indústria e 10% de turismo. A frustração de ver um país com um potencial gigantesco e todo mundo a roubar, uns contra os outros... Quem dera os portugueses tivessem a capacidade de produção que o Brasil tem – lastima Ricardo André.
Apartados, os três sofriam com a saudade. Na capital gaúcha, Alessandra não enxergava a cidade de suas boas lembranças. Estava sempre sobressaltada, tensa, temerosa da violência a cada passo. Mesmo assim, não conseguia captar a dimensão da insegurança que a população experimentava. Certa vez, questionou por que uma amiga havia coberto todos os vidros do carro com película escura. Seria por causa do sol muito forte, pelos danos à camada de ozônio? A outra deu risada:
Às vezes, aquilo que se tem é melhor do que se pensa. As expectativas são sempre de se ter mais e mais. O importante é o equilíbrio de todas as coisas. Acho que essa foi uma das melhores conclusões que tiramos: o que tínhamos podia não ser o melhor do mundo, mas era infinitamente melhor do que pensávamos. Aprendemos com os erros. Temos que dar valor ao que temos.
RICARDO ANDRÉ LOURO MENDES
Bancário, marido de Alessandra
– Oi? De que terra você vem?
Transcorrido tanto tempo, os encontros de família também tinham mudado. Pessoas lhe perguntavam, alarmadas, por que ela tinha tomado aquela decisão, chamando-a de louca.
– Quem em juízo perfeito quer viver em Porto Alegre?
– Todo mundo querendo sair do Brasil e vocês voltando!
– Quem pode escapa dessa loucura desenfreada, dessa total falta de liberdade, dessa selva.
A necessidade de ostentação e autoafirmação dos conterrâneos também impactou Alessandra. Queriam saber quando ela compraria um automóvel, como se não fosse possível sobreviver sem ter um.
– Estão devendo a alma para o demônio, com 50 parcelas do carro para pagar, devendo R$ 10 mil no cartão de crédito, pagando sempre o mínimo... E comendo repolho com carne de segunda – critica Alessandra numa tarde de temperatura agradável em Lisboa, sua indignação contrastando com a alegria proporcionada pelo farto piquenique preparado com a família para a reportagem de ZH no jardim da Fundação Calouste Gulbenkian: de uma sacola imensa, saíram pastéis de nata, bolinhos, toucinhos do céu, empadas de frango, pães de queijo, torradinhas, donuts, rebuçados (balas), refrigerante e suco de maçã, menu que maravilhou a repórter e os patos que circulavam ao redor.
Um ano e cinco meses depois do desembarque no Brasil, os móveis foram todos vendidos, e Alessandra e a filha deram meia-volta para a Europa no segundo semestre de 2016. “Apavorada, incrédula, triste”, descreve-se a quituteira sobre como se sentiu. Hoje, o casal sabe que tomou a decisão certa.
– Às vezes, aquilo que se tem é melhor do que se pensa. As expectativas são sempre de se ter mais e mais. O importante é o equilíbrio de todas as coisas. Acho que essa foi uma das melhores conclusões que tiramos: o que tínhamos podia não ser o melhor do mundo, mas era infinitamente melhor do que pensávamos. Aprendemos com os erros. Temos que dar valor ao que temos – reflete o marido.
– Depois de poder comparar, não me imagino saindo daqui novamente – completa Alessandra.