Neide Ramos Silveira, 48 anos, acomodou o sonho da mudança em 16 caixas de 32 quilos cada uma, despachadas no Salgado Filho em março do ano passado. Eram 45 painéis com estampas de personagens da Disney e de super-heróis, bichos de pelúcia, bandejas, toalhas, enfeites artesanais, suportes para doces. A decoradora de festas se mudava, ao lado do marido e de um dos filhos, com a intenção de continuar, em uma terra mais promissora, como empreendedora na área em que já acumulava quase 20 anos de experiência, mas que começava a minguar no Brasil devido à crise. Os clientes pechinchavam cada vez mais, e Neide cortava de sua margem de lucro para não perder o serviço.
Acostumada a planejar celebrações grandes – inclusive para pais que pensavam na comemoração do primeiro aninho antes mesmo de o bebê nascer –, com dezenas de convidados, fartura de guloseimas e cenário caprichado, Neide sofreu um choque ao perceber onde havia se metido.
Tudo era diferente nas festas infantis portuguesas: tempo, investimento e até grau de importância para as famílias. Em geral, resumiam-se a um grupo de 10 crianças que brincava e comia algo simples, como batata frita comprada no supermercado, e tomava suco morno, num período não superior a duas horas, sem a presença de parentes próximos ou padrinhos.
– Deparei com um mercado inesperado, por mais que imaginasse que não seria como no Brasil – recorda.
A empresária teve oportunidades. Organizou um casamento para 200 convidados. Num dia bonito do final do verão, uma ventania obrigou a equipe a trabalhar como se estivesse produzindo quatro festas, e não apenas uma. Tudo que era colocado no lugar caía. E era reposto. E voava de novo.
– Apanhei. Mas foi satisfatório.
Em outra ocasião, Neide enfeitou a mesa para uma cliente. Insatisfeita, a mulher retirou quase todos os adereços. Os portugueses acham exagerado, explica, “falam horrores das nossas festas”. O total de eventos realizados pela decoradora não chegou a 10. A concorrência de outros brasileiros, que atuam informalmente e cobram menos, também dificultou.
Foi um ano de muita luta, lágrimas, decepções. Mas também de muito crescimento, essa capacidade de se reinventar, de desapegar de aparência. Não me arrependo. Houve muitos momentos bons. Se a vida é uma escola, imigrar é um intensivo. É um turbilhão de sentimentos. Hoje vivemos com menos e temos muito mais. Eu amo este lugar. Creio que amava até mesmo antes de vir.
NEIDE RAMOS SILVEIRA
Empresária
As 16 caixas hoje lotam a garagem da casa da família em Montijo, a 35 quilômetros de Lisboa, e Neide não suporta observar o acervo sem chorar. A decoradora e o marido, o fotógrafo José Antonio Souza, 49 anos, imigrante experiente, com 13 anos entre Inglaterra e Irlanda, tiveram de se reinventar e apostaram no mercado financeiro. Ela atende clientes que precisavam enviar dinheiro para o Exterior ou receber valores, em um shopping em Massamá, nas cercanias da capital. O cubículo envidraçado é ocupado de forma curiosa: de um lado, o balcão para recepcionar quem lida com moedas, e, num cantinho, uma mesa festiva com motivos da Minnie, caso alguém queira contratá-la para um evento. Alguns perguntam o que é aquilo, outros acham que os itens estão à venda ou que haverá uma celebração.
– Eu amava muito o que fazia. Não desisti, mas tenho que buscar um novo amor. Se não estiver apaixonada, não consigo. Preciso disso para viver – desabafa ela, embargando a voz.
Neide cumpre quase 13 horas de trabalho e deslocamentos, em ônibus e trem, de segunda a sábado. Sai de casa por volta das 8h e retorna perto das 21h. Não reclama. Aproveita o tempo no transporte público para pensar e ouvir orações. Outras provações já se apresentaram: o casal sofreu um acidente de trânsito do qual escapou sem ferimentos graves, o irmão de Neide teve um AVC, ela sente saudade da filha, que ficou no Brasil.
– Foi um ano de muita luta, lágrimas, decepções. Mas também de muito crescimento, essa capacidade de se reinventar, de desapegar de aparência. Não me arrependo. Houve muitos momentos bons. Se a vida é uma escola, imigrar é um intensivo. É um turbilhão de sentimentos. Hoje vivemos com menos e temos muito mais. Eu amo este lugar. Creio que amava até mesmo antes de vir.