Instalados em Matosinhos, a cerca de 10 quilômetros da bela cidade do Porto, no Noroeste, a assistente social Jéssica Lis Streit Bard, 28 anos, e o administrador de empresas Jean Couto Fernandes, 29 anos, têm uma trajetória parecida. A ideia de ir para Portugal surgiu numa conversa informal com amigos há dois anos. De imediato, Jean, metódico, montou um planilha com o preço de comida, aluguel e transporte em cidades como Porto, Lisboa e Aveiro. Morar em um ambiente seguro era uma das principais ambições.
Abandonaram as profissões, em Porto Alegre, organizaram-se financeiramente, despediram-se de uma rotina confortável e desembarcaram na Europa, na companhia do buldogue francês Morgan Freeman, em março de 2017, dispostos a enfrentar com bravura os prováveis apertos que se apresentariam para fixar residência.
– Minha mãe sempre diz: “No trabalho você tem que dar o suor, não o sangue”. Vim disposta a dar o sangue – revela Jéssica, em um bate-papo no Jardim da Cordoaria, no Porto, agradável área verde bem em frente à Universidade do Porto.
O casal não demorou a arrumar emprego na área de “restauração”, como é chamado o setor de restaurantes e alimentação. Hoje, depois de outras colocações, ela é empregada de balcão, servindo sanduíches, sucos e os tradicionais pastéis de nata em uma confeitaria, e ele, ex-jogador das categorias de base da dupla Gre-Nal com passagem pelo Marítimo, da Ilha da Madeira, é empregado de mesa em um restaurante de sushi.
Dificuldades surgiram na busca por moradia – passaram por uma casa compartilhada em que os outros locatários pouco se importavam com a limpeza e toparam com possibilidades de aluguel que exigiam altos valores de caução – e também no dia a dia do trabalho. Jéssica e as colegas brasileiras que operam uma máquina automática no caixa já ouviram comentários do tipo “Isso é para vocês não meterem a mão no dinheiro, né?”. Em dado momento, Jean ficou na dúvida se um cliente que se negara a ser atendido por ele o repelia pela nacionalidade ou por ser negro.
Minha mãe sempre diz: 'No trabalho você tem que dar o suor, não o sangue'. Vim disposta a dar o sangue.
JÉSSICA LIS STREIT BARD
Empregada de balcão
Especialista em controle de infecção hospitalar e com uma segunda especialização em andamento quando deixou o Brasil, Jéssica conta ainda não ter digerido plenamente a renúncia a tanto investimento em sua formação acadêmica. Jean trancou o segundo curso universitário, de Direito.
– No Brasil, não é fácil o acesso, e aí eu deixo isso de lado... As pessoas me questionavam: “Você vai jogar fora tudo isso que já fez?” – recorda a jovem. – Eu dizia que iríamos tentar.
Os familiares visitam para conhecer o novo endereço dos namorados. Jéssica e Jean estão em um imóvel com dois quartos, sala de jantar, cozinha, área de serviço e vista para o mar. Justificam que tanto empenho nas jornadas de trabalho merece ser convertido em conforto. Luciane Couto, mãe de Jean, moradora da Restinga e emissora de passagens na rodoviária de Porto Alegre há mais de três décadas, está orgulhosa com o que considera uma vitória do filho. Na viagem a Portugal, encantou-se com o que viu e provou.
– Esta Coca-Cola é muito mais gostosa do que a de lá! – exclamou.
Jéssica e Jean não traçaram planos definitivos. Caso decidam sair de Portugal, não descartam uma temporada de turismo por outros países antes de retornar ao Brasil, onde mantêm economias. Volta e meia, ele é consultado por amigos e conhecidos de longe: “Como é viver aí?”.
– Te dou a maior força se você acha que sua vida vai melhorar – responde. – Mas a única coisa é: vem preparado, organizado.
– Para tudo – completa Jéssica.