As motivações para desistir do Brasil se repetem na fala dos entrevistados, mas o perfil dos imigrantes varia bastante. O casal Juliane de Moura, 38 anos, advogada, e Marco Antonio Pereira, 44 anos, dentista, deu seguimento a suas carreiras.
Os santa-marienses tiveram uma passagem por Florianópolis, também à procura de mais segurança, antes de tomar a decisão pelo destino mais longínquo – filho de portugueses, Marco levou alguns anos até convencer a mulher.
Ela aceitou depois do nascimento de Sofia, hoje com oito anos. Juliane desenvolveu o hábito de buscar a menina mais cedo na escola, antes de anoitecer, na tentativa de reduzir o risco de assaltos. A família deixou a residência catarinense, com grades, câmeras, alarme, cerca elétrica e vigia na rua, para comprar um confortável e iluminado apartamento em Maia, nos arredores do Porto, com uma ampla área aberta por onde circulam Tchê, Flor e Rubi, cachorros adotados que se mudaram junto.
– Da rua para a Europa! – Juliane ri, recordando que Rubi foi resgatada de uma lata de lixo.
Os cursos de Direito dos dois países guardam semelhanças, e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) mantém um acordo com a ordem portuguesa. Para Juliane, da área de família, foi fácil começar a trabalhar – e ela conta, satisfeita, que seus clientes comentam preferir os profissionais brasileiros por serem mais atenciosos. Marco Antonio precisou cursar um ano de aulas na Universidade Fernando Pessoa, no Porto, para se habilitar a atender pacientes.
No Brasil, estamos sempre correndo atrás da máquina. 'Preciso trabalhar, ter dinheiro, comprar um carro bom, uma casa boa.' É aquela ambição de sempre crescer. Aqui não. Está bom. Não precisamos ter tanta coisa. Saímos dos '220', porque trabalhávamos muito, e estamos de 'férias' ainda. É esse o nosso objetivo, a tranquilidade.
JULIANE DE MOURA
Advogada
Ela está satisfeita com o volume de trabalho, mas ele, terceirizado de uma clínica dentária, impacienta-se com os dias ociosos e ainda procura mais horas semanais. O padrão de vida diminuiu pouco em relação ao do Brasil porque o casal não quis abrir mão de plano de saúde e escola privados, e o aluguel da residência de Santa Catarina complementa a renda.
– No Brasil, estamos sempre correndo atrás da máquina. “Preciso trabalhar, ter dinheiro, comprar um carro bom, uma casa boa.” É aquela ambição de sempre crescer. Aqui não. Está bom. Não precisamos ter tanta coisa. Saímos dos “220”, porque trabalhávamos muito, e estamos de “férias” ainda. É esse o nosso objetivo, a tranquilidade – explica Juliane, grávida do segundo filho, aguardado para o início de janeiro.
Sofia exibe um adorável sotaque, lapidado nos últimos dois anos. Até os avós portugueses derretem-se ao ouvir a neta. Os brasileiros com quem ela tem contato também reparam na pronúncia diferente.
– Que bonitinho! – elogiam.
A menina confunde a admiração com troça e às vezes até cai no choro:
– Estão rindo de mim!
Sofia sofreu com a mudança de escola, de cidade, de país. No primeiro ano, sentia saudade dos coleguinhas, falava muito neles.
– Quero embora, quero voltar! – suplicava.
Nos dois colégios por onde passou, os professores ajudaram bastante na adaptação. A rotina é mais puxada, com aulas preenchendo todo o tempo na escola, sem turnos inteiros de recreação, como ocorre em algumas instituições de ensino brasileiras. O pai percebe uma mudança “da água para o vinho” no comportamento da primogênita, antes muito retraída. Soltou-se, enturmou-se, está feliz. Numa viagem ao Brasil para visitar familiares, Sofia asseverou:
– Quero ficar em Portugal.