Amarildo andava melancólico, acabrunhado. Arrastava-se pesadamente pelo terraço do edifício de Tramandaí, pondo abaixo os vasos com folhagens, só para fuçar um pouco na terra. Já não suportava a vida de apartamento. Ansiava pelos largos horizontes.
Alcebíades Teixeira Lopes, 85 anos, apiedou-se ao testemunhar aquela angústia dentro de casa. Resolveu deixar o imóvel próprio, três quartos no alto do prédio, com vista da praia, e mudou a família para uma casa alugada, na mesma rua, no centro da cidade.
Agora Amarildo é um indivíduo feliz, tem um pátio quase todo só para si e, todos os dias, passeia os seus mais de 150 quilos pelas ruas da praia, no garboso papel de personagem mais popular deste veraneio em Tramandaí.
— Aluguei a casa só por causa do porquinho, porque ele não estava contente. A gente sente quando isso acontece — diz Alcebíades, o Tio Bidi.
Amarildo leva uma vida de rei, mas o começo foi duro. Nasceu doente e foi enjeitado pela mãe. Os donos da propriedade rural também não queriam saber dele, não compensava cria-lo à mamadeira. E foi assim, porque queriam se ver livre dele, que o filhote chegou às mãos de Tio Bidi, em setembro de 2016.
O "pai" do porquinho levou-o ao veterinário, curou-o de uma pneumonia e passou a regalá-lo com mordomias.
— Quando ele era pequenino, mamava no meu colo. Eu dava para ele leite misturado com farinha, em uma dessas garrafas de refrigerante de dois litros — conta o dono.
Todas as manhãs, Tio Bidi sai portão afora com o porco para passear nas ruas centrais de Tramandaí. Leva sempre um bastão, que diz servir para afastar cães que eventualmente se entusiasmem demais com o lombo gorduroso de Amarildo, mas que usa na verdade para coçá-lo, enquanto o animal se esparrama na calçada, gozando o momento. Depois, Tio Bidi cutuca-o para que levante:
— Vamos, pouca banha!
Amarildo obedece imediatamente, segue caminho, sempre roçando o dono, todo amoroso, metendo-lhe o focinho no traseiro.
— Ai! Ai! Ai! Ele me empurra! — diz Tio Bidi.
A caminho de uma padaria localizada a alguns quarteirões de distância, onde costuma se deliciar com pão coberto de chimia, Amarildo vive seus momentos de glória. Os veranistas aglomeram-se para vê-lo, tocá-lo, fotografá-lo.
— Todo dia saímos para caminhar um pouquinho, o senhor sabe como é, ele é meio gordinho. Se não caminhar, vai ficar atrofiado, e eu não quero. Só não levo na beira do mar, porque tenho medo que aconteça alguma coisa. E aí é sempre 10, 15 pessoas ao redor, olhando para ele, conversando com ele. Por que ele é muito amistoso, sabe? — orgulha-se Tio Bidi.
Basta acompanhar algum desses passeios para constatar o sucesso de Amarildo na praia. Uns dias atrás, o veranista Clóvis Stello, 55 anos, morador de Bento Gonçalves, avistou o porco ao longe, do hotel onde está hospedado, e saiu às pressas à procura dele.
— Eu disse: "Tenho de achar esse porco". Daí cruzei, cruzei, fui olhando casa por casa, para ver se ele tinha fuçado o terreno. Até que encontrei. Eu gosto, era da colônia. Também criava porco, uns 30 anos atrás. Tenho bastante saudade.
Stello demorou-se junto a Amarildo, tirou fotos, gravou vídeos, conversou, fez uma apreciação de conhecedor sobre o animal:
— Ah, mas ele é bem pesado. Esse é sem pelo, vive no barro. É bom para banha. Isso aí dá meio mês de banha, dá umas duas latas. Eu criava desse tipo. Não tinha azeite, uma vez. O forte era criar para fazer a banha.
Outro passante, Márcio Lima, 36 anos, morador de Vitorino, no interior do Paraná, também ficou encantado e fez questão de filmar o suíno com o telefone:
— Não é todo dia que se vê um negócio desses, ainda mais na cidade, um porco desse tamanho. Se eu contar lá no Paraná, é capaz de ninguém acreditar, daí eu filmei.
Louco por melancia e por arrozinho cozido com moranga
De volta a casa, é hora de banquetear-se. Mas Amarildo é enjoado para comer, tem nojinho de certos pratos. A mulher de Tio Bidi, Lúcia Lopes, 81 anos, trata de cozinhar todos os dias dois panelões com os acepipes preferidos do glutão:
— Ele não come comida de porco. Cru ele não gosta de comer nada, só cozido. A não ser a melancia. Ai, a melancia! Ele é louco por melancia. Larga uma para ele, ele come todinha. Sirvo a comidinha, me dou ao trabalho de cozinhar. Faço arrozinho cozido com moranga. A moranga eu cozinho separado, depois largo no arroz. Daí dou um caldinho por cima, de certas comidas que vão sobrando, largo em cima. Ui, aquilo molhadinho! Ele a-do-ra. Sirvo e chamo: "Porquinho!". Nossa, ele vem correndo!
Na virada do ano, Tio Bidi e Lúcia pretendiam degustar carne de porco, que apreciam muito. Será que Amarildo, que costuma entrar pela casa, às vezes com visitas, para se jogar no sofá, corre então o risco de um dia acabar estendido sobre a mesa, apetitoso, rodeado de farofa e batatas? Tio Bidi não foge à delicada questão:
— Eu vou matar ele, sim! Vou. Mas sabe quando? Daqui a 320 anos.
Lúcia se ri da piada e dá um tom sentimental à conversa:
— As pessoas dizem: "Então, vão matar o porquinho?" Mas de que maneira a gente vai matar um porquinho desses? Um porquinho que a gente criou que nem praticamente um filho, dando mamadeira, fazendo comidinha? E é isso aí a vida do porco. E a nossa.