Seguir os passos profissionais dos pais é uma faca de dois gumes. Por um lado, adquire-se conhecimento e experiência na própria casa, e o sobrenome pode abrir portas. Por outro, haverá sempre uma cobrança e uma comparação, como se talento e competência fossem herança genética. Quanto maior o sucesso paterno ou materno, maior a expectativa quanto ao filho ou à filha.
Ishana Night Shyamalan resolveu trilhar esse caminho, engrossando a lista do que em Hollywood se convencionou chamar de nepo baby — em referência a nepotismo, o favorecimento por parentesco. Nascida em 1999 ou 2000 (não há dados precisos na internet), a filha de M. Night Shyamalan, cineasta de O Sexto Sentido (1999), Sinais (2002) e Fragmentado (2016), foi assistente de direção do pai em Tempo (2021) e realizou seis episódios da série Servant (2019-2023). Agora, estreia no comando de um longa-metragem com Os Observadores (The Watchers, 2024), em cartaz desde quinta-feira (6) nos cinemas de Porto Alegre.
É um filme de terror, gênero em que seu pai fez carreira, e percebe-se a influência visual de Shyamalan na sombria direção de fotografia assinada por Eli Arenson e na cadenciada montagem do holandês Job ter Burg, colaborador frequente de Paul Verhoeven. Mas diferentemente de Shyamalan, que prefere escrever suas próprias histórias, Ishana transformou em roteiro o livro homônimo de A.M. Shine.
Os Observadores tem como personagem principal Mina, encarnada por Dakota Fanning, atriz que, com 30 anos, já soma quase 70 filmes e séries no currículo. Por meio de flashbacks, sabemos que, quando criança, ela contribuiu para o acidente de carro que matou sua mãe, deixando órfãs Mina e sua irmã gêmea, Lucy.
No presente, a protagonista é uma artista que, para pagar as contas, trabalha em uma loja de animais. Quando é encarregada de transportar um papagaio, acaba se perdendo em uma vasta e estranha floresta no oeste da Irlanda. Mina depara com um trio de pessoas (interpretadas por Georgina Campbell, Oliver Finnegan e Olwen Fouéré) que, todas as noites, precisam se abrigar em uma casa onde há um grande vidro espelhado. Eles não enxergam, mas, como indica o título do filme, estão sendo observados por criaturas misteriosas. Em nome da sobrevivência, o quarteto deve seguir uma série de regras.
O enredo e o cenário permitem aproximações entre Os Observadores e os filmes de Shyamalan. Há ecos de A Vila (2004), A Dama na Água (2006) e Batem à Porta (2023), e a construção da tensão usa ferramentas típicas de Shyamalan, como o isolamento dos personagens e o embaralhamento da percepção — a começar pelo simples jogo de espelho: o que é real e o que é reflexo?
Mas falta foco a Ishana Night Shyamalan. Tal qual sua protagonista, ela se perde diante de uma mistura de folclore irlandês com discurso sobre identidade, de terror sobrenatural com comentário sobre o voyeurismo. Aliás, como também é característico na obra do pai, a filha abusa do texto explicativo, seja em diálogos ou narrações. O encanto imagético sublinhado pela trilha sonora do polonês Abel Korzeniowski (de A Freira e Till: A Busca por Justiça) se esvanece rapidamente. Sobra um tédio monumental, compartilhado por vários críticos. David Rooney, do Hollywood Reporter, por exemplo, escreveu que "Os Observadores é menos perturbador do que enfadonho". Já Chase Hutchinson, do site Collider, brincou com a famosa frase do personagem de Haley Joel Osment em O Sexto Sentido: "Eu vejo pessoas mortas neste filme, mas a causa da morte é simplesmente tédio".