Se é fácil entender o que tornou Sob as Águas do Sena (2024) o filme mais visto na Netflix, como contei na coluna de sexta-feira (7), também não é difícil explicar o sucesso de As Cores do Mal: Vermelho (Kolory zla. Czerwien, 2024), policial polonês que vem se mantendo no top 3 da plataforma de streaming praticamente desde a sua estreia, em 29 de maio.
Como o título deixa entrever, o longa-metragem dirigido por Adrian Panek, realizador de Natureza Selvagem (2018), baseia-se no primeiro livro de uma trilogia assinada pela escritora Malgorzata Oliwia Sobczak. Os outros dois, Preto e Branco, também têm como personagem principal o jovem promotor Leopold Bilski (papel de Jakub Gierszal) e, a julgar pelo êxito de Vermelho, também podem ganhar uma adaptação.
Por êxito, entenda-se popularidade, e não necessariamente qualidade. Usando uma analogia do futebol, As Cores do Mal: Vermelho é um filme que joga para a torcida. Aposta em elementos que costumam atrair, seduzir e conquistar o espectador. Aliás, sua trama parece ter sido feita no liquidificador, misturando um pouquinho de tudo o que já se saboreou em receitas melhores. Bem melhores.
Com menos de três minutos, o filme ambientado nas cidades de Gdynia, Gdansk e Sopot, na região da Pomerânia, tem uma cena de sexo. Antes de chegar aos cinco, surge, despido e na beira do Mar Báltico, o cadáver da jovem que instantes antes estava transando. À misoginia do mundo real, soma-se a bizarrice cruel das histórias sobre serial killers: o assassino arrancou os lábios da vítima.
Não tarda a sabermos que ela, chamada de Monika Bogucka (interpretada por Zofia Jastrzebska, talvez a única pessoa no elenco realmente empenhada), era a filha de uma juíza, Helena (Maja Ostaszewska). A mãe tinha uma atitude distante em relação à jovem: nem fazia ideia de que a moça estava envolvida com o submundo da cidade, vendendo drogas na boate Estaleiro.
Enquanto o recém chegado promotor Bilski e os policiais investigam o caso, flashbacks mostram os últimos dias de Monika. Logo aparece outro clichê dos filmes policiais: as pistas conectam o crime a um assassinato cometido 15 anos atrás. Já nas cenas do passado, há a habitual violência sexual contra mulheres e a presença de estereótipos ambulantes. O óculos de aros grossos e pretos que o ator Przemyslaw Bluszcz usa amplia a caricatura de seu personagem, Lukasz Kazarski, o Kazar, dublê de empresário bem-sucedido e mafioso malvado (pelo dinheiro ou pela ameaça, comprou quase todo mundo na cidade) a quem pertence a boate e a quem Monika deve se submeter.
Alerta de spoilers nos parágrafos seguintes.
Além de explorar o mistério a respeito da morte violenta de uma jovem, As Cores do Mal: Vermelho lança mão de um truque que costuma ser superestimado: o plot twist, a reviravolta na história. Prova dessa hipervalorização e, ao mesmo tempo, do interesse do público é a profusão de sites que se dedicam a matérias do tipo "Final explicado" ou "Entenda o final".
No caso do filme polonês, quando Bilski finalmente consegue prender Kazar, estava na cara que ainda haveria uma virada, pois restavam mais uns 25 minutos até subirem os créditos. Daí, As Cores do Mal: Vermelho apela para outro chavão. Na verdade, um duplo chavão. Ou triplo, ou múltiplo!
Último aviso sobre spoilers.
Tudo começa com Bilski, após a suposta solução, viajando de volta a Varsóvia, a capital, onde mora sua filha pequena — que, vejam só a coincidência, também se chama Monika. Enquanto abastece o carro em um posto de gasolina, o protagonista tem uma espécie de epifania ao observar uma garota fumando. Trata-se de algo espantoso, já que é o mesmo sujeito que parece não ter ouvido quando, em alto e bom som, um policial de sua equipe, Spider, foi chamado por esse apelido antes de matar a provável única testemunha do assassinato de Monika. Por que Bilski não investiga a relação de Spider com Kazar?
Talvez porque, inconscientemente, ele já soubesse que, apesar de ser um monstro que confeccionou uma pulseira a partir dos lábios cortados de suas vítimas, Kazar não é o culpado pelo assassinato de Monika. Do posto de gasolina, ele parte com pressa de volta à região de Gdynia, Gdansk e Sopot.
Entrementes, Helena vai passar um fim de semana romântico com seu ex-amante e agora, quem sabe, novo companheiro, Dubiela (Andrzej Konopka), que, convenientemente, é tanto o legista que examinou o corpo de Monika quanto o pai do verdadeiro assassino. Trata-se do adolescente Mario (Jan Wieteska), que nutria uma paixão pela moça, a ponto de ajudá-la a se esconder de Kazar, mas, em um acesso de ciúme e raiva, acabou a matando.
Lá no posto de gasolina, ao ver a garota fumando jogar a mão para trás para ocultar o cigarro, o promotor Bilski lembrou de ter visto Mario fazer um gesto semelhante, provavelmente para tapar o anel de rubi de Monika que não havia sido encontrado. O rapaz contou para Dubiela o que aconteceu, então o pai, para encobrir o crime do filho, resolveu disfarçá-lo, usando como fachada o modus operandi do serial killer. E, como a comprovar a frieza necessária para o ofício, mesmo assim o legista continuou romanticamente envolvido com a mãe da vítima.
Se é difícil de engolir essa resolução, a coisa fica pegajosa na cena final. Sob uma trilha sonora piegas, Bilski reencontra e abraça sua filhinha. É hora de passar a "mensagem" do filme, algo na linha "aproveite cada instante ao lado de quem ama, porque a vida é frágil".
Credo.